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30-06-2015 |
A falta de pediatras |
Carência de especialistas reflete desvalorização profissional e baixa remuneração |
Uma cena muito comum em prontos-socorros é a de crianças chorando, durante horas, e pais aflitos em busca de um pediatra para pôr fim ao sofrimento dos pequenos. Mas, em geral, a resposta que encontram é implacável: não há pediatras de plantão. Por que isso acontece com uma especialidade vital para saúde e o bom desenvolvimento do indivíduo? “A dificuldade de encontrar pediatras para realizar plantões é decorrente das políticas públicas de saúde de longo prazo, que nunca valorizaram devidamente o profissional”, sentencia o presidente da Associação Paulista de Medicina (APM), Florisval Meinão. Segundo ele, além da falta de perspectiva de crescimento na carreira e da baixa remuneração no sistema público de saúde, não há condições dignas de trabalho para que os postos sejam ocupados. “Por vezes, o pediatra tem de atender mais que quatro crianças em uma hora, e esse é um número excessivo, pois esse tipo de atendimento é mais demorado”. Para o pediatra e conselheiro do Cremesp, Clóvis Francisco Constantino, a implantação de novos recursos tecnológicos em Medicina, que ocorreu a partir dos anos 70, para o exercício nas especialidades onde isso é mandatório, também contribui para a carência de profissionais. “As novas tecnologias são atraentes para o jovem médico, torna mais fácil o atendimento, mas o distancia do contato direto com o paciente, uma característica inseparável da pediatria até hoje”, avalia Constantino. Para ele, o uso desses recursos em pediatria não é prioritário, ou quase isso. “O pediatra precisa conhecer a criança ou o adolescente, os pais, a família expandida, os professores, enfim, porque isso também influencia na formação dinâmica de hipóteses diagnósticas e no acompanhamento da saúde da criança”, esclarece. E acrescenta: “levar um ser humano, do nascimento aos 18 anos, saudável para a vida adulta sempre foi e será a missão do pediatra”. A longa espera por atendimento, em função da superlotação dos serviços de urgência e emergência, também é decorrente do mau hábito da população em recorrer a esses serviços, em substituição à consulta regular com o pediatra. “O pronto-socorro passou a ser utilizado como um serviço de conveniência para as famílias”, alerta o presidente da Sociedade de Pediatria de São Paulo (SPSP), Mario Roberto Hirschheimer. “Lá não se requer a marcação de consultas e há o mito de um atendimento ágil e resolutivo”, diz. Em sua opinião, as famílias não levam em consideração que em um pronto-socorro não ocorre um atendimento abrangente, pois é um tipo de serviço para reconhecimento e tratamento de uma condição clínica intercorrente, e não para um atendimento pediátrico integral. “Não há compromisso de quaisquer das partes entre si, que termina com o final daquele atendimento”, diz. Por isso, segundo Hirchheimer, é muito importante que o pediatra do pronto-socorro, ao dispensar o paciente, alerte a família de que, lá, só foi dada atenção inicial à urgência que motivou aquele atendimento. “Em seguida, deve ser marcada uma consulta com o pediatra da criança”, orienta. Às precárias condições de trabalho e à necessidade de trabalhar nas madrugadas, finais de semana e feriados, alia-se a insegurança. “Em torno de 64% dos pediatras já sofreram alguma forma de violência na sua atividade profissional, em muitos locais de trabalho”, denuncia o presidente da Sociedade de Pediatria de São Paulo (SPSP) Mario Hirschheimer. “Tal cenário vem contribuindo para uma progressiva frustração profissional, afastando muitos pediatras da especialidade”, lamenta. A exigência de produtividade é outro fator que prejudica o preenchimento das vagas, explica Hirshcheimer. “O atendimento pediátrico é realizado em várias etapas para contemplar a abrangência de sua ação: diagnóstico, tratamento, orientações para promoção da saúde e prevenção de doenças. Como fazer tudo isso, sem esquecer-se de trocar o lençol da maca e lavar bem as mãos, entre uma consulta e outra, mantendo a produtividade exigida na maioria dos serviços de, pelo menos, quatro atendimentos por hora (ou até 15 minutos por atendimento)?”, questiona. Hirschheimer acredita que a frustração de não conseguir fazer o que deve para cumprir seu dever também tem afastado muitos pediatras de suas atividades. “Acrescente-se a isso que o pagador dos serviços – quase nunca o usuário (paciente e sua família) – sequer está preocupado com a qualidade e resolutividade de tal atividade, desde que a produtividade, medida somente pelo número de atendimentos realizados, seja atingida”, revela. De acordo com o estudo Demografia Médica no Brasil 2, realizado em 2013, o País conta com 30.112 pediatras titulados, a maior concentração de especialistas, representando 11,23% do total. São Paulo detém a maior concentração de pediatras, com 8.705 profissionais. Atualmente a Sociedade de Pediatria de São Paulo (SPSP) conta com 6.569 associados, 75,5% do total de pediatras no Estado. Entre 2004 e 2014, a média de candidatos aprovados (53,8% do total) no concurso para obtenção do título de Especialista em Pediatria, em São Paulo, foi de 234/ano, 49% do total de aprovados em todo o Brasil. A Sociedade de Pediatria de São Paulo (SPSP) encomendou uma pesquisa ao Instituto de Pesquisas Datafolha, em 2014, para traçar o perfil do pediatra paulista. “Pode-se dizer, de modo sintético, que a maioria dos profissionais é mulher (73%), com média de idade de 47,5 anos, casada (76%) e que exerce a profissão em diferentes locais de trabalho”, diz Mario Roberto Hirschheimer, presidente da Sociedade de Pediatria de São Paulo (SPSP). A pesquisa aponta que o pediatra trabalha, em média, em três locais, exercendo diferentes atividades, somando uma jornada de trabalho de 50 horas semanais, com atividades noturnas (51%) e em fins de semana e feriados (61%). Do total, 50% dedicam somente 14 horas semanais para atender consultas agendadas em consultórios ou ambulatórios. “Isso mostra que a principal atividade do pediatra no Estado é na forma de plantões em prontos-socorros, serviços de neonatologia e UTIs pediátricas, e que o número de horas disponibilizadas pelos pediatras para atender em consultórios está diminuindo,” avalia Hirschheimer. Os dados da SPSP mostram que a busca pela especialidade está em baixa entre os estudantes. Desde 1999, a queda está em torno de 45,5%. “Isso está relacionado principalmente à má remuneração dos profissionais, já que a pediatria é essencialmente clínica e não existem procedimentos que acrescentem remuneração a ela, fazendo com que outras áreas atraiam os jovens médicos”, afirma Hirschheimer. “Após o advento dos planos de saúde, deixaram de existir clientes privados, e, com a remuneração paga pelas operadoras, é quase impossível manter um consultório aberto”, explica Constantino. “Não dá para pagar encargos sociais e manter a infraestrutura porque não há como agregar valor ao atendimento, pois, em pediatria, não são utilizados equipamentos ou tecnologia em larga escala,” avalia. Constantino relata que os pediatras que permanecem trabalhando em consultórios estão localizados mais no Interior, onde existem as cooperativas de trabalho médico, como as Unimeds, por exemplo. “Isso não acontece nas grandes capitais, principalmente São Paulo, onde o médico é obrigado a trabalhar em plantões de prontos-socorros particulares para poder ganhar um pouco mais”, diz. Mas, “nesses locais, não se pratica a puericultura, a essência da pediatria”, acrescenta. Embora a remuneração do pediatra tenha melhorado nos últimos anos, isto só ocorre nos prontos-socorros e UTIs de serviços privados, absorvendo a quase totalidade dos profissionais que estão ingressando no mercado de trabalho. “É preciso corrigir as deficiências atuais, inclusive a participação inadequada de outros profissionais no atendimento de crianças, ação que deve ser exclusiva dos pediatras,” defende Hirschheimer. O pediatra também chama atenção para o Atendimento Ambulatorial em Puericultura, que faz parte do Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da ANS desde janeiro de 2014. “Ele remunera duas vezes mais que uma consulta simples em consultório no horário normal ou preestabelecido, e o pagamento desse procedimento por parte de todas as operadoras de saúde complementar deveria ser obrigatório, mas são raríssimas as operadoras que o reconhecem”, lamenta. Segundo ele, tal pagamento diferenciado, talvez, estimulasse mais médicos a voltar a praticar a puericultura, tornando o atendimento em consultório pediátrico mais compensador, estimulando a atividade, com inequívoco benefício para toda a coletividade. Afinal, “é no consultório que a criança e sua família receberão não só a orientação sobre a continuidade do tratamento iniciado no pronto-socorro, mas principalmente um atendimento que promove a saúde e previne agravos, com as orientações sobre cuidados que a criança requer para um bom crescimento e desenvolvimento”, orienta. Matéria originalmente divulgada no Jornal do Cremesp nº 326 |