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09-11-2015 |
Lygia da Veiga |
Terapias com células-tronco: realidade e perspectivas |
Novidades do congresso recente da Sociedade Internacional de Pesquisa com Células-Tronco, realizado na Suécia Lygia da Veiga Pereira* Na virada do século 20, a terapia celular parecia muito simples. Depois de décadas usando a medula óssea para regenerar o sistema hematopoiético, surgiam evidências de que aquele mesmo material poderia regenerar também outros órgãos, como coração, fígado e até cérebro. Era isso que os experimentos com modelos animais sugeriam. Quinze anos e muitos ensaios clínicos depois, aprendemos que: 1. As células-tronco (CTs) da medula óssea não têm a versatilidade proposta (apesar de ainda haver grupos insistindo que elas conseguem transformar-se em neurônio...). 2. Os mecanismos de ação mais prováveis dessas células são o de secretar citosinas que promovem uma autorregeneração nos diferentes órgãos onde foram transplantadas; ou de suprimir o sistema imunológico – o que é, sim, interessante para o tratamento de doenças autoimunes como diabetes tipo I e a doença do enxerto contra o hospedeiro (existem ensaios clínicos de fase II e III em andamento utilizando as CTs da medula óssea para o tratamento de diferentes doenças autoimunes). 3. Infelizmente, o efeito terapêutico das CTs da medula óssea não é suficiente para justificar seu uso como tratamento para doenças cardíacas, lesão de medula espinhal, diabetes tipo II, cirrose e epilepsia, entre outras. Mas não desanimem. Ao mesmo tempo, descobrimos outros tipos de CTs no nosso organismo, as chamadas CTs tecido-específicas. Essas células existem em pequenas quantidades nos respectivos órgãos, e são responsáveis pela manutenção dos mesmos ao longo da nossa vida. Porém, em situações extremas como um infarto ou uma degeneração neurológica, elas não conseguem regenerar o respectivo órgão. Pois aprendemos como isolar CTs tecido-específicas de alguns órgãos e a multiplicá-las no laboratório e, nesse congresso, vimos CTs do sistema digestivo regenerando o intestino e o fígado (ainda em camundongos); e CTs neurais, derivadas do cérebro, sendo testadas em duas doenças neurodegenerativas infantis, lesão de medula espinhal e regeneração da retina – essas já em ensaios clínicos de fase I e II (Stem Cells Inc., EUA, NCT01005004, NCT01321333, NCT01632527**). Outra vedete do congresso foram as CTs embrionárias, células derivadas de blastocistos humanos que possuem a capacidade de dar origem a todos os tecidos do nosso organismo, chamadas de células pluripotentes. Depois de anos trabalhando em como diferenciá-las in vitro nos tecidos desejados, de forma a não gerarem tumores nos pacientes, vários grupos começam a testá-las em pacientes. O primeiro ensaio clínico com essas células foi iniciado em 2010 para o tratamento de lesão de medula espinhal (com oligodendrócitos derivados das células embrionárias – Asterias Biotherapeutics, EUA, NCT02302157), seguido naquele mesmo ano de outros para o tratamento de três formas de degeneração macular (células do epitélio pigmentado da retina também produzidas a partir das CTs embrionárias – Ocata Therapeutics, EUA, NCT01344993, NCT01345006, NCT01345006). Ainda aguardamos os resultados de eficácia, mas por enquanto os dados demonstram segurança dos procedimentos. Foi apresentado também no congresso o ensaio clínico da empresa Viacyte (EUA, NCT02239354), que conseguiu transformar as CTs embrionárias em células beta, produtoras de insulina, que começaram a ser testadas em pacientes em dezembro de 2014: um mini-pâncreas que responde aos níveis de glicose no sangue, teoricamente equilibrando seus níveis de forma mais eficiente e autônoma nos pacientes. Finalmente, dois grupos (do Japão e EUA) relataram a produção de neurônios dopaminérgicos a partir das CTs embrionárias, e se preparam para testá-los em pacientes com Doença de Parkinson, com início previsto para o final de 2016. Esses avanços clínicos não vêm de graça. São resultados de anos de pesquisa, rigorosa e profunda, não só desses grupos mais próximos da aplicação, mas de outro exército de pesquisadores básicos, aquela gente cujo trabalho é entender como o ser humano funciona – e isso pode ser feito estudando um nematódeo, uma drosófila ou até mesmo uma salamandra, com sua formidável capacidade de regenerar seus membros (veja https://www.youtube.com/watch?v=byLDgtSMI0w). Todo esse conhecimento básico, de repente, aglutina-se e torna-se visível para a população, ao dar origem a um avanço médico. É um processo fascinante. Porém, é fundamental ficar claro que, apesar dos avanços, essas terapias ainda estão restritas ao âmbito de pesquisa, e nenhum médico pode receitá-las a seus pacientes. Até hoje, o único tratamento consolidado com CTs é o transplante de medula óssea ou de sangue de cordão umbilical para o tratamento de, principalmente, doenças hematológicas (ver lista completa em: Mesmo assim, infelizmente, existe em vários países um grande comércio de tratamentos milagrosos com CTs, que explora o desespero de pacientes e familiares na busca de alternativas terapêuticas para doenças incuráveis. Clínicas anunciam tratamentos para esclerose múltipla, lesão de medula, câncer, e até Aids, valendo-se de brechas na legislação de seus países. A comunidade científica repudia veementemente essas práticas, não fundamentadas experimentalmente, e que submetem os pacientes a riscos desnecessários. Por enquanto, não existem tratamentos com CTs comprovados para nenhuma dessas doenças. Logo, na melhor das hipóteses, as terapias oferecidas por aí deveriam ser tratadas como terapias experimentais, e não como curas milagrosas. E tratamentos experimentais só devem ser realizados em instituições de pesquisa, com a aprovação dos respectivos comitês de ética, sem nenhum custo financeiro para os pacientes. Lígia da Veiga Pereira é professora titular e chefe do Laboratório Nacional de Células-Tronco Embrionárias (LaNCE) do Instituto de Biociências da USP, e autora do livro Células-Tronco, promessas e realidades, Editora Moderna (2013). ** Siglas correspondem ao registro dos ensaios clínicos em http://www.clinicaltrials.gov |