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Pesquisas negligenciam doenças de populações pobres


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Presidente do Cremesp espera que a palavra "saúde" não se restrinja aos brindes de final de ano


ESPECIAL
Profissionais de comunicação falam das dificuldades para cobrir a área de saúde


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Milton Hatoum fala sobre um fato que inspirou cena de "Cinzas do Norte"


MEIO AMBIENTE
São Paulo deu as costas para o Tietê, ao contrário de outras grandes metrópoles como Paris, Londres ou Chicago, crêe autor


DEBATE
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HISTÓRIA DA MEDICINA
Meningite, a epidemia que a ditadura não conseguiu esconder


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CULTURA
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LIVRO DE CABECEIRA
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HOBBY DE MÉDICO
Médica domina técnica de produção de papel japonês feito à mão


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Veja como pensam nossos leitores e quais foram as referências bibliográficas usadas


FOTOLEGENDA
Uma imagem da estátua do Cristo Redentor foi projetada na fachada da Catedral de Notre Dame em Paris


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Edição 33 - Outubro/Novembro/Dezembro de 2005

ESPECIAL

Profissionais de comunicação falam das dificuldades para cobrir a área de saúde

Médicos sabatinam jornalistas

“No passado aceitei duas viagens de laboratório, mas porque não tinha noção do que isso significaria” (Fabiane Leite)
“Em revistas semanais, uma denúncia fortíssima sobre o governo não vende tanto quanto uma boa capa de saúde” (Cilene Pereira)

Legenda: Isac Jorge Filho (esq.) fala à mesa composta por jornalistas e conselheiros

A relação entre a mídia e Medicina foi tema de um dos painéis do Encontro dos Conselhos de Medicina do Sul e Sudeste realizado no auditório do Cremesp, de 3 a 5 de novembro. As jornalistas que cobrem a área de saúde, Cilene Pereira, da revista IstoÉ; Fabiane Leite, do jornal Folha de São Paulo; Izilda Alves, da rádio Jovem Pan, além da apresentadora do programa Saúde Feminina da Rede Mulher, Isabel Vasconcelos, integraram a mesa de discussão “Representantes dos diferentes setores da mídia”. As jornalistas destacaram as dificuldades que enfrentam para cobrir a área da saúde. As quatro ponderaram que os problemas não são a regra na relação com os médicos, mas que o encontro era uma oportunidade para discutí-los. Numa inversão de papéis, os conselheiros fizeram perguntas às jornalistas e interagiram de forma a expor também as dificuldades no trato com profissionais da comunicação. Veja a seguir um resumo desse painel do Encontro dos Conselhos do Sul e Sudeste, que reuniu conselheiros do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Minas Gerais e São Paulo, além de representantes de mais 14 Estados e do Conselho Federal de Medicina.


Isabel Vasconcelos e Izilda Alves

 
Fabiane Leite e Cilene Pereira

Inserção da Medicina na imprensa

Izilda Alves: “A relação jornalistas e médicos está cada vez mais clara. Quando eu comecei, jornalista era sinônimo de analfabeto para a maioria dos médicos. Aos poucos essa relação foi melhorando.”

Cilene Pereira: “Estamos vivendo um momento especial de maior demanda por matérias de saúde. Em revistas semanais como a IstoÉ, uma denúncia fortíssima sobre o governo não vende tanto quanto uma boa capa de saúde.”

Isabel Vasconcelos: “Faço televisão ao vivo todos os dias. Meu compromisso é levar informação de saúde ao público. Quando comecei há 20 anos, encontrei oposição deste Conselho, que dizia “médico na televisão? A senhora está promovendo os médicos!” Eu respondia que estava promovendo a informação de saúde. Agora, a promoção do médico é inerente, não tem jeito. O telespectador pensa que a televisão usa algum critério para encontrar os melhores da profissão. Mas não é assim. Há 20 anos, apenas os cirurgiões plásticos iam à televisão e, no dia seguinte, havia um processo contra eles nesta casa. Hoje todos os médicos são presença obrigatória na TV. Estão em programas femininos, de variedade; estão escrevendo livros aos montes e vão lá divulgar seus livros. Eles têm assessores de imprensa, têm assessoria das instituições que representam e até de laboratórios para quem eventualmente realizam uma pesquisa.”

Serviços de assessoria

Fabiane Leite: “Hoje a área de saúde é uma das que mais oferece pautas aos jornalistas. E como são ofertadas? Uma ótima assessoria de imprensa é a do Hospital São Paulo, da Unifesp, que se tornou referência para a mídia. Os jornalistas que trabalham lá conversam com os médicos das várias clínicas e trazem o que há de novidade para nós. No Hospital das Clínicas, a assessoria funciona mais como uma receptora de pedidos. Nos demais hospitais, o assessor de imprensa funciona como aquele que segura a crise. Há ainda médicos que contratam uma assessoria de imprensa. Hoje existem muitos escritórios bem organizados que ligam para dizer que doutor fulano acaba de trazer um novo equipamento; que foi ao congresso e soube que existe uma nova droga etc. Há também a assessoria de imprensa do laboratório, que está disseminada. É aí que começam nossos problemas,  que talvez mereçam uma discussão à parte”.

Cilene Pereira: “O assédio da indústria farmacêutica sobre o jornalista é compreensível pelo fato de o assunto saúde ser de grande penetração. As indústrias já perceberam isso e têm uma abordagem sobre nós que chega a nos confundir. Em São Paulo, a Unifesp tem um bom serviço de comunicação, mas acaba sendo uma fonte repetitiva, o que é ruim para os jornalistas e para os médicos, porque o conhecimento não é detido somente por algumas cabeças. Uma das instituições mais difíceis de se conseguir informação é o Hospital das Clínicas de São Paulo”.

Laboratórios

Fabiane Leite: “As estratégias dos laboratórios estão cada vez mais sofisticadas. Antigamente recebíamos um grande número de sugestões que iam direto ao foco. Começaram a perceber que havia resistência a matérias sobre medicamentos, porque pode configurar propaganda no meio leigo – nós também somos regulamentados pela Anvisa. Agora a estratégia é falar da doença. Por exemplo, para falar de tabagismo o laboratório traz ao Brasil um grande especialista, a assessoria de imprensa propõe um horário de entrevista e o jornalista vai até lá conversar com essa pessoa. Ao escrever o texto, o jornalista deve ter o cuidado de deixar claro que há um vínculo entre o especialista e o laboratório. Esse assunto tem nos preocupado. Alguns médicos não gostam de falar sobre o que está na ordem do dia porque pode pegar mal, configurar marketing pessoal etc. Uma de nossas grandes dificuldades é encontrar opiniões independentes”.

Credibilidade das informações

Cilene Pereira: “Na redação recebemos um volume imenso de releases vendendo um produto que, invariavelmente, é um medicamento revolucionário para alguma coisa. Hoje me vejo num momento delicado, sem saber a quem procurar para me ajudar a avaliar essas informações, se o medicamento é mesmo revolucionário ou só mudaram a cor da pílula”.

Platéia: Foi destacado que a relação entre Medicina e indústria farmacêutica também é conflituosa, embora a segunda seja responsável por grande parte dos avanços terapêuticos. Em relação a medicamentos novos, sempre haverá conflitos, porque os interesses da imprensa e da Medicina não são os mesmos. A primeira quer a novidade e a segunda o que é consistente. Há imprecisão em torno das informações sobre novos métodos terapêuticos lançados, o que impede que órgãos e instituições ligadas à medicina respondam às questões dos jornalistas, no sentido de validar ou não um novo lançamento da indústria.  

Isabel Vasconcelos: “Como foi colocado, sem a indústria farmacêutica não dá, porque as pesquisas são caríssimas. Por que não se discute isso com mais transparência? O médico não tem o direito de entrar numa pesquisa e receber por isso? Até que ponto isso é um conflito? A gente vai supor que todo médico fará isso de má fé, irá dar um parecer em desacordo com o seu conhecimento e consciência?”.

Jornalismo e marketing

Platéia: Questionam sobre matérias que suspostamente são jornalísticas, mas promovem produtos da indústria farmacêutica ou procedimentos médicos. Os médicos têm dificuldade para discernir os trabalhos sérios e de interesse público e os meramente promocionais. Como exemplo foram citadas as revistas de cirurgia plástica e os programas de tv que realizam procedimentos médicos no ar.

Isabel Vasconcelos: “Eu não faço procedimento médico no ar porque fere a ética médica e não transmite nada do que é minha pretensão enquanto comunicadora. Alguns assessores de imprensa ligam para sugerir que a TV coloque no ar uma máquina milagrosa. Às vezes o produtor não percebe a diferença e pensa que é uma grande novidade, que está prestando um serviço público, porque vem vestido dessa maneira”.

Fabiane Leite: “O Conselho pode ajudar apontando o erro da imprensa quando faz matéria sobre medicamento que pode caracterizar publicidade indevida. Nesses casos tem que acionar a Anvisa, porque só assim as empresas vão se mexer. Nunca soube de nenhum caso de jornalista ou dono de jornal que ficou rico por promover um laboratório farmacêutico. Acho que eles não percebem o que está por trás e aceitam os convites de laboratórios para ir a congressos ou para visitar um laboratório. No passado aceitei duas viagens de laboratório, mas porque não tinha noção do que isso significaria. Uma das viagens foi para o lançamento do Vioxx e vejam o que aconteceu depois. Naquela época eu era muito jovem, o meu editor também e não percebemos isso. No último congresso de Psiquiatria, em Belo Horizonte, tinha oferta de três laboratórios para jornalistas, mas a Folha decidiu bancar a viagem”.

Linguagem médica

Izilda Alves: “Somos considerados chatos porque repetimos duas ou três vezes a mesma pergunta. Fazemos isso porque não entendemos. Isso acontece não só com o médico, mas com outros profissionais. Por que ninguém entende uma sentença de um juiz? Porque a linguagem dele também é muito específica. Rádio é imediato. O fato aconteceu, tenho que colocar no ar rapidamente a informação precisa; não posso errar. Não somos especialistas em Medicina e os senhores não têm obrigação de falar numa linguagem mais fácil. Mas, se tivessem um pouco mais de tempo para explicar o que aquilo significa, como funciona, o jornalista conseguiria levar ao ouvinte a informação correta, que não deverá ser desmentida no dia seguinte nem causar polêmica. É da entrevista clara e objetiva que nasce a informação correta”.

Cilene Pereira: “Já me deparei com médicos sensacionais, que me deram entrevistas maravilhosas e quando liguei para pedir mais explicações me atenderam de novo. Em compensação, me deparei com outros que colocaram as coisas de forma tão arrogante, que a relação ficou tão complicada que saí da entrevista sem entender nada. Mas tenho que escrever sobre isso e aí vem o erro. É muito triste quando veiculamos uma informação errada.” 

Personalidades

Izilda Alves: Quando uma personalidade está internada, toda a imprensa vai atrás. Por uma questão ética, o médico não pode abrir o sigilo do paciente e falar da situação. Mas é curioso como a informação chega rápida e precisa ao jornalista. O médico não fala, mas não significa que o jornalista não vai atrás da informação do familiar, do amigo, de quem está acompanhando o paciente. No caso do ministro Sérgio Mota, que morreu no Hospital Albert Einstein, tive problemas sérios. Em uma reunião de pauta, eu falei: tem alguma coisa errada, esse ministro não sai do hospital. Fui investigar, falei no ar qual era a situação e deixei um ponto de interrogação: “por que a assessoria de imprensa do hospital está proibida de falar no assunto?” O assessor do ministro ligou para o diretor de redação e pediu minha demissão, dizendo que eu tinha extrapolado. O diretor, acostumado com isso, disse: liga para ele e explica. Eu liguei e disse: tenho essa informação, se o senhor mandar boletins médicos desmentindo o que falei, peço a minha demissão agora. O fato é que ele morreu e estou empregada. O valor do jornalista é a sua palavra, ele não pode inventar versões”.

Código de Ética Médica

Cilene Pereira: “Por conta das limitações do Código de Ética, um problema freqüente é encontrar a figura que batizamos de ‘o personagem’. Por que  precisamos dessa figura? Porque é com quem o leitor vai se identificar e se ver na mesma situação. Fica complicado para nós quando fazemos a pergunta básica: ‘doutor, o senhor tem um personagem, um paciente que tenha a doença ou que tenha feito esse tratamento?’ Aí ele diz que não pode indicar porque o Conselho não permite. Já deixei de publicar matérias bacanas porque não tinha personagem”.

Fabiane Leite: “Há anos brigamos com o Conselho em relação ao sigilo dos processos. Sei que é uma lei, mas talvez seja a hora de rediscutir essa questão. Tivemos dificuldades recentes com um profissional que anunciou um procedimento que não era ético em um site de notícias. Algum tempo depois, esse médico foi parar na TV como referência do procedimento. Enquanto ele continuava dando entrevistas, não conseguimos dar a matéria porque ninguém queria falar, nem o Conselho e nem a parte que tinha feito a denúncia contra ele, por medo de ser acusado de quebrar o sigilo. Era um caso grave, ele estava passando informações de saúde pública e era uma pessoa que tinha ferido as leis de pesquisa”.

Entidades médicas

Fabiane Leite: “As grandes entidades médicas só se posicionam ou procuram a imprensa quando os assuntos são de interesse para corporação, por exemplo a regulamentação da profissão ou das escolas médicas. Percebemos um certo temor de seus dirigentes para comentar questões da saúde pública. Sabemos que é difícil, que pode criar problemas com o meio político, o ministro ou  secretário da Saúde”.

Relação com serviço público

Fabiane Leite: “O médico não precisa ver o jornalista com tanta restrição. Ele tem uma função social como servidor público e, às vezes, tem em mãos algo muito grave, que deve ser denunciado. Existe no jornalismo a possibilidade de falar em off. Com isso, ele passa a informação e consegue se preservar, dando o caminho para que o jornalista por si próprio investigue a denúncia. Isso foi essencial para que se desvendasse o esquema de corrupção no PAS.”

Distorção da realidade

As jornalistas foram questionadas sobre a prática da imprensa de privilegiar uma frase, que retirada do contexto da entrevista distorce a informação. Um exemplo citado foi o de um diretor de um grande hospital público procurado por jornalistas quando a instituição registrou 11 mortes num dia. O diretor informou que isso estava acontecendo todos os dias no hospital, que não houve aumento de óbitos naquele dia específico, mas o título da matéria foi “diretor diz que 11 mortes são normais”.

Izilda Alves: “Como jornalista pensaria na comunidade e não pensaria duas vezes em levar ao ar essa matéria, levantando a seguinte questão: o que está acontecendo? É um problema do hospital ou é de investimento público na região? Uma única morte já é suficiente para me deixar apreensiva. Por que num hospital público podem morrer 11 pessoas e num hospital particular não?”

Fabiane Leite: “O ministro da Saúde passou pelo mesmo problema. Na Folha saiu uma chamada assim: ‘Ministro diz que morte de crianças indígenas é normal’. Eu entendi que o ministro quis dizer que o número de casos não aumentou tanto, mas a declaração foi desastrosa. Nessas situações, aconselho um pouco de sensibilidade do entrevistado. A partir do momento que todo mundo virou os olhos para a situação, não se pode dizer que é normal morrer, muito menos crianças. Porque não é normal morrer criança”.


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