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CAPA

PONTO DE PARTIDA (pág. 1)
Encontro nacional em Brasília fortaleceu as reivindicações da categoria


ENTREVISTA (pág. 4)
Paulo Hoff, diretor clínico do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo Octávio Frias de Oliveira


MEIO AMBIENTE (pág. 9)
Encontro discutiu consumo de alimentos geneticamente modificados


CRÔNICA (pág. 13)
Tufik Bauab - Presidente da Sociedade Paulista de Radiologia e Diagnóstico por Imagem


SAÚDE NO MUNDO (pág. 14)
Tebni Saavedra descreve o sistema público de saúde do Chile


DEBATE (pág. 14)
A autonomia dos médicos e a prescrição racional de medicamentos


HISTÓRIA (pág.23)
A evolução dos estudos voltados para a saúde pós-período renascentista


GIRAMUNDO (pág. 26)
Curiosidades da ciência, da história e da atualidade


PONTO COM (pág. 28)
Canal de atualização com as novidades do mundo digital


SINTONIA (pág. 30)
Antonio Francisco Lisboa: maior escultor barroco mineiro do final do século XVIII


MÉDICOS EM FOCO (pág. 36)
Uma análise da temática médica, quando foco principal das séries televisivas


HOBBY (pág. 40)
Guerrini, o colecionador de conchas, já contabiliza mais de 10 mil peças


TURISMO (pág. 42)
Agende suas próximas férias para o interior paulista e aproveite o contato com a natureza


CABECEIRA (pág. 47)
Sugestão de leitura da conselheira Ieda Therezinha Verreschi*


FOTOPOESIA (pág. 48)
Cantares - Antônio Machado


GALERIA DE FOTOS


Edição 52 - Julho/Agosto/Setembro de 2010

SINTONIA (pág. 30)

Antonio Francisco Lisboa: maior escultor barroco mineiro do final do século XVIII

A misteriosa doença de Aleijadinho

José Marques Filho*

“Nos últimos anos do século galante, num país perdido do outro lado do Atlântico, um mestiço produz esta obra sublime, a última aparição de Deus evocada pela mão do homem.” (Germain Bazin, historiador e curador de arte francês)


Cristo Flagelado - Museu da Inconfidência, em Ouro Preto

Entender e interpretar a arte do mais famoso escultor brasileiro tem sido um desafio constante para historiadores da arte universal e até mesmo cientistas renomados. Escritores do porte de Manoel Bandeira, Mario de Andrade e Carlos Drummond de Andrade publicaram diversos textos sobre o célebre artista mineiro. Porém, parece que o maior, e até hoje intransponível desafio, é sabermos qual foi a doença que vitimou e aleijou o mítico personagem do barroco mineiro do final do século XVIII.


Detalhe do Rei Mago de Presépio, do acervo do Museu da Inconfidência

A influência que a doença teve na obra do escultor foi notada por Mario de Andrade, que ao estudar o barroco mineiro constatou duas fases do artista: uma sã, caracterizada pela serenidade e clareza, e a outra de enfermo, em que surge um sentimento gótico e expressionista.

Suas obras mais famosas são o conjunto do Santuário de Bom Jesus de Matozinhos, em Congonhas do Campo (MG), um patrimônio histórico e artístico com 66 imagens esculpidas em madeira de cedro e 12 profetas em pedra-sabão. Os profetas têm deformações anatômicas que, para diversos autores, são uma autoprojeção do mestre. Outros defendem que eles representam a Inconfidência Mineira. Há, ainda, os que creditam as deformações à revolta contra os dominadores da colônia.


Anjo Tocheiro

Diferente do barroco europeu, em que as principais artes que se destacaram foram a música e a pintura, em Minas Gerais a escultura seria encarregada de transformar em mito aquele mulato pobre e deformado, que deu um toque de vida humana à matéria inerte, seja pedra ou madeira, com uma especial aura de poder divino e características barrocas próprias.

Diferentes teses
Por ocasião da Semana de Aleijadinho, promovida pelo governo do Estado de Minas Gerais, na década de 60 do século passado, a Associação Médica de Minas Gerais organizou uma mesa redonda para debater o difícil tema das moléstias que poderiam ter vitimado o escultor.

Ilustres professores foram convidados para os debates, entre eles, Alípio Correia Neto, da USP; Tancredo Alves Furtado, da UFMG; Pedro Salles, da UFMG; René Laclete, do Rio de Janeiro; e Geraldo Guimarães da Gama. Cada um dos especialistas defendeu sua tese, segundo sua experiência profissional: hanseníase, tromboangeíte obliterante,  pa¬ra-amiloidose (doença dos pezinhos), porfiria e artrite reumatoide juvenil. Todas possíveis, mas de difícil comprovação.

Esses fatos foram revelados no livro Os mistérios do Aleijadinho, de autoria do professor de Reumatologia da UFMG, Geraldo Guimarães da Gama, um dos maiores pesquisadores brasileiros sobre a doença que vitimou o grande artista do barroco mineiro. A tese que ele defende é que não se pode entender a arte e as doenças de Aleijadinho fora do contexto econômico e cultural de Minas Gerais e de uma criteriosa avaliação de sua única biografia, de autoria do ilustre biógrafo Rodrigo José Ferreira Bretas.

Segundo o professor Alípio Correa Neto, as primeiras referências às doenças de Aleijadinho só surgiram 44 anos depois de seu falecimento. Não consta que o artista tivesse sido tratado nos hospitais existentes em Vila Rica, nem se sabe de remédios ou receitas. Não foi encontrado nem mesmo atestado de óbito. Portanto, é necessária muita reserva sobre os fatos alinhados por Bretas, que não conheceu o artista, pois suas informações principais foram obtidas, muitos anos após o seu falecimento, de uma certa Joana, nora do artista, com quem o biógrafo morou nos dois últimos anos de sua vida. Defende ainda o professor que essas informações podem não ser isentas, contendo dados a mais ou exagerados, com a boa intenção de valorizar, com as dificuldades físicas do artista, o trabalho feito.

Bastante controverso também é o fato de o artista trabalhar com os instrumentos presos às mãos por panos amarrados por seus escravos. Diversos autores contestam esta versão, argumentando que, até hoje, fabricantes de panelas de pedra-sabão trabalham com as mãos envoltas em panos para protegê-las de acidentes, frequentes e graves.


Pastor de Presépio


Apelido
Os autores que estudam as possíveis doenças de Aleijadinho, quase todos mineiros, concordam com alguns pontos: seu apelido foi dado entre os 41 e 47 anos de idade. Adoeceu subitamente e ficou aleijado das mãos e dos joelhos, não podendo andar mais sem apoio, embora essas deformidades não o tenham impedido de trabalhar arduamente e produzir uma obra numerosa e admirável, por mais 37 anos, até sua morte. É possível que, nos dois últimos anos de vida, tenha sofrido um acidente vascular cerebral, sendo cuidado por sua nora Joana.


Obra no altar-mor da Capela Nossa Senhora da Piedade, em Caeté

O Mal de Hansen foi a doença considerada mais provável, por diversos autores, e aceita durante um longo período. Entretanto, alguns dados mais recentes demonstram que essa possibilidade é pouco provável. Documentos demonstram que, em 1788, por ordem do governo de Vila Rica, todos os doentes com hanseníase deveriam ser confinados, até aqueles com suspeita. O nome de Aleijadinho não consta desta lista e a própria evolução da doença é incompatível com a intensa atividade do artista até pouco antes de sua morte.

Os diagósticos de sífilis, paralisia infantil, escorbuto (Bretas, 1858) e tromboangeíte obliterante (Alípio Correa Neto, 1965) revelaram-se pouco prováveis. Esclerodermia (Achiles Cruz), porfiria cutânea tarde (Paulo da Silva Lacaz, 1967; Geraldo Barros de Carvalho, 1988) e acidente do trabalho (Geraldo Guimarães Gama, 2004) são possibilidades mais aceitas.

Achiles Cruz, professor de Reumatologia da UFMG, defendeu durante anos a possibilidade de Aleijadinho ter sofrido de esclerodermia, uma doença reumatológica autoimune, cujas manifestações poderiam explicar os sintomas e sinais referidos pelo biógrafo do artista. Porém, comenta que, atualmente, a doença mais aceita pelos diversos estudiosos do tema é de porfiria cutânea tardia.


Interior da Igreja de São Francisco de Assis, em Ouro Preto

Em 1930, a cova do artista foi aberta e os ossos, colocados em uma urna, foram levados para a igreja de Antonio Dias. Junto a eles foram encontrados restos de dois outros esqueletos. Exames sugerem que os ossos avermelhados (característica compatível com porfiria) eram de Aleijadinho, mas nunca se pode ter certeza. O professor Geraldo Barros de Carvalho, dermatologista mineiro e uma das maiores autoridades sobre o assunto, em 1998, participou de uma comissão que confirmou o alto teor de ferro pesquisado em duas vértebras encontradas no túmulo do artista, achado também compatível com porfiria.

Trabalho de madrugada
Esta hipótese pode explicar o fato de o artista ir para o trabalho de madrugada e só retornar já à noite, evitando a luz solar – fator de piora para a referida moléstia – e também de usar casacos negros compridos e trabalhar sempre sob uma tenda que o cobria completamente.

Mais recentemente, outro reumatologista de Minas Gerais, o professor Geraldo Guimarães da Gama, estudioso do assunto desde 1964 e baseado em farta documentação e raciocínio clínico admirável, defendeu a possibilidade de Aleijadinho ter sido vítima de um acidente de trabalho.

O professor Gama questiona o que poderia aleijar uma pessoa em plena atividade profissional – no caso, um artesão que subia escada de carpinteiro tão imprudentemente – senão uma queda grave, acidente que deixou sequelas sobre os membros inferiores e superiores. Acredita o professor que a reabilitação dessas sequelas dependeria da grande capacidade de perseverança e de inventividade, qualidades que não faltavam ao genial Aleijadinho.

Embora envolto em mistérios e desinformações, o tema das doenças que deformaram o ilustre artista do barroco mineiro só engrandece e eleva sua arte à uma manifestação artística quase divina, provinda das mãos talentosas de um genial artista brasileiro, nascido nas terras das Minas dos Matos Gerais.

O historiador, restaurador e curador de arte francês Germain Bazin foi um dos responsáveis pela divulgação internacional da obra de Aleijadinho, que considerava como um dos ícones do barroco. Em um de seus textos mais conhecidos, faz a seguinte observação: “Com os Passos de Congonhas, o Aleijadinho pode, no último período de sua vida ativa, produzir as estátuas que são, talvez, a expressão suprema de seu gênio, reunindo todos os resultados de sua experiência, que era não só do artista, mas do homem sofredor”.


*José Marques Filho é reumatologista e conselheiro do Cremesp.

Referências bibliográficas
• Correia Neto, A. “A doença do Aleijadinho”. São Paulo, Mestre Jou, 1965.
• Bazin, G. O. “Aleijadinho e a escultura no Brasil”. Tradução de Marisa Murray, Record, 1971, Rio de Janeiro.
• Guimarães da Gama, G. “Os mistérios na vida do Aleijadinho”. Edições CLA, 2004, Belo Horizonte.

Traços biográficos relativos ao finado Antonio Francisco Lisboa, distinto escultor mineiro, mais conhecido pelo apelido de Aleijadinho


Antonio Francisco Lisboa (auto-retrato)

Antonio Francisco Lisboa nasceu a 29 de agosto de 1730, no arrebalde desta cidade (N. R. referindo-se a Ouro Preto) que se denomina – o Bom Sucesso, pertencente à frequezia (sic) de Nossa Senhora da Conceição de Antonio Dias. Filho natural de Manoel Francisco da Costa Lisboa, distinto arquiteto português, teve por mãe uma africana, ou crioula, de nome Isabel, e escrava do mesmo Lisboa, que o libertou por ocasião de fazê-lo batizar.

Antonio Francisco era pardo escuro, tinha voz forte, a fala arrebatada, e o gênio agastado; a estatura era baixa, o corpo cheio e mal configurado, o rosto e a cabeça redondos, e esta volumosa, o cabelo preto e anelado, o da barba cerrado e basto, a testa larga, o nariz regular e algum tanto ponteagudo, os beiços grossos, as orelhas grandes, e o pescoço curto. Sabia ler e escrever, e não consta que tivesse freqüentado (sic) alguma outra aula além da de primeiras letras, embora julgue provável que tivesse freqüentado a de latim.

O conhecimento que tinha do desenho, de arquitetura e escultura fora obtido na escola pratica (sic) de seu pai e talvez na do desenhista pintor João Gomes Batista, que na corte do Rio de Janeiro recebera as lições do acreditado artista Vieira, e era empregado como abridor de cunhos na casa de fundição de ouro desta capital.

Depois de muitos anos de trabalho, tanto nesta cidade, como fora dela, sob as vistas e risco de seu pai, que então era tido na província como o primeiro arquiteto, encetou Antonio Francisco a sua carreira de mestre de arquitetura e escultura, e nesta qualidade excedeu a todos os artistas deste gênero que existiram em seu tempo. Até a idade de 47 anos, em que teve um filho natural, ao qual deu o mesmo nome de seu pai, passou a vida no exercício de sua arte, cuidando sempre ter boa mesa, e no gozo de perfeita saúde; e tanto que era visto tomando parte nas danças vulgares.

De 1777 em diante, as moléstias provindas talvez em grande parte de excessos venéreos, começaram a atacá-lo fortemente. Pretendem uns que ele sofrera o mal epidêmico, que, sob o nome de Zamparina pouco antes grassado nesta província, e cujos resíduos, quando o doente não sucumbia, eram quase infalíveis deformidades e paralisias; e outros que nele se havia complicado o humor gálico com o escorbuto. O certo é que, ou por ter negligenciado a cura do mal no seu começo, ou pela força invencível do mesmo, Antonio Francisco perdeu todos os dedos dos pés, do que resultou não poder andar senão de joelhos; os da mão atrofiaram-se e curvaram, e mesmo chegaram a cair, restando-lhe somente, e ainda assim quase sem movimentos, os polegares e os índices. As fortíssimas dores que de continuo (sic) sofria nos dedos, e a acrimônia do seu humor colérico o levaram por vezes ao excesso de cortá-los ele próprio, servindo-se do formão com que trabalhava.

As pálpebras inflamaram-se e permanecendo neste estado, ofereciam à vista sua parte interior; perdeu quase todos os dentes, e a boca entortou-se como sucede frequentemente ao estuporado, o queixo e lábios inferiores abateram-se um pouco; assim, o olhar do infeliz adquiriu certa expressão sinistra e de ferocidade; que chegava mesmo a assustar a quem quer que o encarasse inopinadamente. Esta circunstancia (sic) e a tortura da boca o tornavam de um aspecto asqueroso e medonho. (...)




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