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CAPA

PONTO DE PARTIDA (pág.1)
Renato Azevedo Júnior - Presidente do Cremesp


ENTREVISTA (pág. 4)
José Feliciano Delfino Filho


CRÔNICA (pág. 10)
Tufik Bauab*


EM FOCO (pág. 12)
Voluntários do Sertão


SINTONIA (pág. 15)
Emerson Elias Merhy*


DEBATE (pág. 18)
A relação médico-paciente e a internet


GIRAMUNDO (págs. 24 e 25)
Curiosidades da ciência e tecnologia, da história e atualidade


SAÚDE NO MUNDO (pág. 26)
O sistema de saúde público no Japão


HISTÓRIA DA MEDICINA (pág. 30)
Epidemias: os grandes desafios permanecem


CARTAS & NOTAS (pág. 33)
Conexão com o usuário a um clique


HOBBY (pág. 34)
Alexandre Leite de Souza


PONTO COM (págs. 38/39)
Informações do mundo digital


CULTURA (pág. 40)
Imperdíveis exposições da Pinacoteca


TURISMO (pág. 42)
Das flores de Bali ao enxofre do Ijen


LIVRO DE CABECEIRA (pág. 47)
Dica de leitura de Desiré Carlos Callegari *


FOTOPOESIA( pág. 48)
Adélia Prado


GALERIA DE FOTOS


Edição 58 - Janeiro/Fevereiro/Março de 2012

DEBATE (pág. 18)

A relação médico-paciente e a internet


Wilma, Perche e Cyrino debatem as implicações da internet no trabalho dos médicos

Que a medicina mudou muito nas últimas décadas não é nenhuma novidade, a questão é que... os pacientes também mudaram! A medicina de antes, liberal e artesanal, agora é tecnológica. E os pacientes, que confiavam cegamente nos médicos, hoje chegam aos consultórios com informações e vocabulário antes restritos a esses profissionais, quando não apenas para pedir exames. A responsável por essa transformação? A internet, claro.

Acesso a sites com vastas – mas nem sempre verdadeiras – informações sobre todas as doenças possíveis, fóruns de discussão, comunidades virtuais, trocas de e-mails, e tudo o mais que a rede mundial pode oferecer, têm revolucionado a relação médico-paciente. Mas os profissionais estão preparados para esta mudança? O que fazer quando um paciente acha que sabe tudo sobre sua doença? Deve participar ou não dos fóruns de discussão e comunidades virtuais? Envia ou não e-mails aos pacientes?

Essas e outras questões são abordadas no debate, a seguir, entre Wilma Madeira, doutora em Ciências, mestre em Saúde Pública, com especializações nas áreas de planejamento, informação e comunicação em saúde, e assistente técnica do Instituto de Responsabilidade Social Sírio-Libanês; e Antônio Cyrino, médico, professor da Faculdade de Medicina de Botucatu/Unesp, e editor da revista Interface: Comunicação, Saúde, Educação; mediado por Moacyr Perche, médico sanitarista, assessor técnico de Tecnologia da Informação e Comunicação da Secretaria de Saúde de Campinas e representante do Cremesp na Câmara Técnica de Informática do Conselho Federal de Medicina.
 

Moacyr: A internet ajuda ou atrapalha a relação médico-paciente?

Wilma: A internet tem potencial para ajudar, mas depende do contexto e do que está sendo tratado. Vai depender do médico e de sua postura frente a essa questão, bem como da vida e das experiências positivas e negativas que o paciente teve com esse ou outros profissionais, e das informações que encontrou na internet. Essa relação envolve duas pessoas que têm posições de poder diferentes: de um lado, o médico, que possui o conhecimento técnico-científico, ou deveria ter, e, do outro, o paciente, fragilizado. O novo Código de Ética Médica, lançado há cerca de um ano, fortalece a autonomia do paciente, a exemplo do que já ocorria em outros países. Isso faz com que ele participe do processo de construção de seu diagnóstico ao apresentar uma história mais rica, diminuindo a assimetria de informações, que normalmente é muito grande entre ambos: médico e paciente.

Antonio: Antes de falar sobre como a internet pode ou não contribuir para a relação médico-paciente, é preciso reconhecer a transformação, ocorrida nos últimos 40 anos, na passagem da Medicina liberal e artesanal para a tecnológica. É bastante paradoxal, pois, na época do exercício liberal, os pacientes tinham grande confiança nos médicos e pouca na Medicina, já que ela pouco podia fazer pelos pacientes. Atualmente, estes possuem enorme confiança na tecnologia, mas houve perda desta confiança em relação ao profissional. Hoje, é normal o paciente consultar, em situações delicadas, mais de um médico para tomar certas decisões. Como recuperar as interações que eram intensas no passado, num momento em que o próprio perfil de morbidade mudou? Se, no passado, as doenças mais prevalentes eram as infecciosas, hoje são as crônico-degenerativas. Por isso, a orientação e o diálogo que o médico terá com o paciente precisam ser diferentes. É essencial que ele, um especialista na doença, dialogue com seu paciente, especialista na própria vida, para se chegar ao melhor cuidado ou autocuidado. Quanto à internet – no caso das doenças crônicas e, também, das raras – é muito comum o paciente ir a um consultório para ouvir a opinião de um segundo profissional, já tendo muitas informações sobre a doença e com os exames debaixo do braço. Claro que ele terá mais condições de partilhar decisões com o profissional, dependendo da abertura deste em ouvi-lo e em respeitar sua autonomia.

Moacyr: A internet e as redes sociais têm potencial de benefício, mas, por outro lado, pode-se dizer que elas contribuíram para estabelecer essa mudança de referência e crise de confiança. Por isso, em 2001, o Cremesp publicou a Resolução 97, que dispõe sobre a idealização, criação, manutenção e atuação profissional em domínios, sites, páginas ou portais sobre Medicina e saúde na internet – de cujo processo tive a oportunidade de participar. Na verdade, são dicas para os profissionais e internautas. Apesar disso, o médico está preparado para trabalhar com essa opinião diversa, essa simetria na relação médico-paciente?

Wilma: Há uma questão anterior: o médico está preparado para essa imagem que a Medicina tem hoje, que envolve uma promessa de que o ser humano pode sobreviver independentemente de qualquer coisa? É uma promessa promovida por interesses das indústrias farmacêutica e tecnológica, além de outros interesses de mercado. É isso que está em jogo. O profissional, atualmente, é representante de uma Medicina que dá à pessoa uma sobrevida muito maior conforme o investimento que famílias e pessoas possam ter e, claro, de acordo com que o governo pode oferecer. Aí entra o SUS e questões como os medicamentos de alto custo e a Justiça – ações para garantir uma sobrevida sobre cujo final, a morte, ninguém quer falar. Temos, então, um problema, que é a imagem de uma Medicina que pode tudo. A internet colabora com esse conflito? Claro que sim. Em alguns momentos, pode facilitar e, em outros, complicar. Em muitos momentos, ela traz também uma promessa de que, para além do acesso à informação, é possível alcançar o conhecimento e uma possível formação sobre determinados temas. Essa troca de informação é mais intensa entre pacientes com doenças crônico-degenerativas e pressupõe um autocuidado. Enquanto o conteú­do dos portais vinculados aos médicos – como os de universidades, secretarias municipais e estaduais, Ministério da Saúde, CRMs – é de natureza técnico-científica, na rede social o que se troca é de base sentimental, autocuidado e constituição de vínculo entre os pacientes. Isso expande a nossa discussão para além do consultório. Quando o médico participa dessas comunidades, possui um discurso que, em alguns momentos, é de um profissional de saúde e, em outros, confunde-se com o do próprio paciente. Nesse último caso, identifica-se como um ser humano que está trocando sensações e sentimentos com aquele conjunto de pacientes.


Estudantes de Medicina usam novas tecnologias para dinamizar aulas

Moacyr: Quando ele atua como mediador?

Wilma: Sim, como mediador. Ele usa esse elemento por meio do qual compreende e elimina a distância profissional naquele momento. Quando essa conversa acontece na rede social expande-se o território da consulta médica. Discute-se como o paciente se sente após uma consulta e o impacto das informações que o médico passou para ele. Faz-se, então, uma segunda fala que é de apropriação dessa informação, que saiu do âmbito técnico-científico e se mistura com seu sentimento. Então, há uma troca intensa de sentimentos e apoio, inclusive religioso. Por outro lado, também é possível reconhecer o intercâmbio de informações e sensações em relação à consulta: o médico olhou ou não; tocou ou não o paciente; conversou e perguntou o que esse sentia? Claro que, no grupo, tais trocas de informações são usadas na construção de critérios de avaliação desses profissionais e a própria chancela de quais deles são bons profissionais ou não.

Antonio: O cerne sobre o qual o estudo da Wilma é muito rico, é a dimensão do acesso ao conhecimento e à informação que pode ser obtida em websites e partilhada nesses fóruns. Porém, o que faz a diferença é a experiência. São pessoas, em geral, com uma mesma doença e dificuldades semelhantes: efeitos colaterais dos remédios, acesso à assistência e a medicamentos, os sentimentos que isso provoca... A riqueza desses espaços vem, justamente, da troca de informações que não acontece com os médicos desses pacientes, pois eles não têm os mesmos problemas. Isso reforça o grande desafio para esses profissionais: reconhecer que o consultório não é o espaço exclusivo no qual o paciente tem acesso a informações e, tampouco, o único lugar no qual partilhará suas dificuldades, experiência, o que dá ou não certo. Infelizmente, muitas vezes o médico não está preparado para lidar com essas tecnologias de comunicação ou para receber um paciente que chega ao consultório com um problema de saúde sobre o qual tem uma série de informações. Se não houver uma construção de diálogo, o sucesso do trabalho do profissional ficará muito limitado. Ele pode, inclusive, perder o paciente.

Wilma: Essas comunidades acabam contextualizando a informação técnico-científica, pois pode-se abordar as mesmas coisas que o profissional médico fala. É uma informação sentimentalmente mais quente, não pela atualidade, mas por ser mais próxima do paciente, apesar de usar, muitas vezes, termos técnicos médicos.

Antonio: É mais quente porque ali existe vida. Há instituições de saúde que possuem fóruns, nos quais se pode entrar e tirar dúvidas, mas se restringem às informações técnico-científicas.

Moacyr: Recentemente, o Conselho Federal de Medicina reafirmou, com ênfase, a proibição de qualquer tipo de relação médico-paciente à distância. Como lidar, então, com a relação que se estabelece nesses fóruns? Estamos inserindo um terceiro ator. Como atuar para que este faça bem, de fato?

Antonio: Aceitar melhor sua condição, entender que certos sintomas são efeitos colaterais da medicação utilizada e que as dificuldades também são enfrentadas por outras pessoas é um alívio e um apoio. Mesmo que as pessoas não se vejam – a maioria nunca irá se encontrar – estão partilhando emoções intensas e constituem um grupo. Mas há também uma outra dimensão da relação médico-paciente à distância. Durante um estágio em Michigan, nos EUA, acompanhei médicos em consultas e vi que eram comuns as trocas de e-mails com pacientes. Aqui no Brasil, cada vez mais, os médicos usam também essa possibilidade para dar continuidade à consulta. Tenho feito isso com alguns pacientes, que me enviam seu controle glicêmico por e-mail. É muito bom para eles e para mim, pois não precisam vir até o serviço de saúde apenas para mostrá-lo. Acho que não é uma consulta médica, mas, sim, a possibilidade de tranquilizar o paciente. Se temos esse recurso, por que não usá-lo? São pacientes que já possuem experiência no autocuidado. E é isso que desejamos. Mas são duas dimensões completamente distintas: os fóruns e as trocas de e-mails com o médico. Ambas são tecnologias de informação e comunicação.

Wilma: O e-mail é um telefonema registrado para o médico. Virtualizar a consulta seria prescindir da anamnese e do exame clínico. Acho que nenhum profissional está disposto a abrir mão disso, nem os pacientes. Estes se sentem fragilizados quando o médico não olha nos olhos dele e não faz o exame físico. Portanto, essa relação pode ficar comprometida também dentro de um consultório. Em geral, o tempo que o profissional passa com o paciente é insuficiente para que ele possa se aproximar do sentimento de possuir determinada patologia. Então, não é apenas o fato de não ter a doença. Claro que é diferente quando esse médico ou um filho seu passa a ser também paciente, quando são dispensadas várias características profissionais. Por outro lado, acho complicado o profissional não fazer um esforço para se apropriar dessas tecnologias e das informações disponíveis. Há o risco de o paciente ter a impressão de que a assimetria de informações se inverteu, pois graças à internet ele pode – principalmente se souber ler em outra língua – acessar dados que o próprio médico pode não dispor. Com isso, a confiança necessária – que é um dos elementos que fortalecem o vínculo – passa a ser quebrada também. Se o paciente tem a impressão de saber mais do que o profissional, por que consultá-lo? Ele vai, então, à procura de outro que sabe mais do que ele. Sinto que os médicos estão preocupados e se esforçando para que isso não aconteça. Faz parte da nova geração dos estudantes de Medicina trocar SMS e acessar a internet enquanto o professor está falando, levar informações para a dinâmica da aula e da Medicina em si. Naturalmente, é uma prática que será levada para o consultório.

Moacyr: Os médicos devem, então, participar de comunidades?

Wilma: Sim. Como participantes comuns.

Antonio: Depende do tipo de comunidade. É muito interessante, por exemplo, que uma instituição de saúde tenha também – além de um website no qual fornece informações sobre determinada doença – um espaço interativo. Temos de ser abertos e flexíveis. Os meios são muitos e há vários tipos de fóruns. Existem alguns, mediados por médicos, ou qualquer outro profissional de saúde, nos quais eles dão, na verdade, uma palestra. É uma relação assimétrica e vertical. E existem outros, como em um espaço de vivência, no qual o profissional tem um papel de mediador e dá voz ao paciente. Nestes, o médico pode aprender muito com a experiência dos pacientes, pois é uma relação menos assimétrica. Há muitos anos participei, pela primeira vez, de um grupo no qual uma paciente minha – que parecia ser totalmente aderente ao tratamento – disse que não tomava a medicação no final de semana. Para mim, foi um choque. Nós, médicos, acreditamos que o prescrito para o paciente será seguido. Mas não é bem assim. Em um espaço interativo, no qual os pacientes se sentem fortalecidos, eles ficam mais à vontade para falar. Este é o grande desafio, e o caminho para que os profissionais de saúde possam, de fato, recuperar a riqueza do que era o trabalho do velho médico de família.

Wilma: A comunidade virtual é um novo espaço público em que há interesses em jogo. Não vejo porque o médico não deva participar. A forma como fará isso acabará determinando como essa comunidade funcionará a partir do momento em que ele explicitar sua profissão. Esses espaços são ocupados por pacientes, profissionais de saúde e, muitas vezes, também por instituições, fornecedores de medicamentos etc. Neles, diversos interesses e atores atuam e defendem suas ideias.

Antonio: É interessante convidar os médicos e especialistas, que trabalham com determinados problemas de saúde, para visitar os fóruns, a fim de conhecer as experiências e compartilhamentos dos pacientes. É um enorme aprendizado. Certamente os profissionais possuem grande experiência, mas não muito sobre aquelas dificuldades cotidianas vividas pelo paciente.

Moacyr: Podemos finalizar fazendo, então, um convite aos médicos para participarem dessas comunidades, na perspectiva de ver uma dimensão diferente do processo terapêutico cotidiano, a partir da vivência dos pacientes, como um espaço de reflexão de sua própria prática e para perceber como o mercado tem influenciado a mesma, sem que notemos.


No espaço interativo, pacientes se sentem fortalecidos



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