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CAPA

PONTO DE PARTIDA (pág.1)
Renato Azevedo Júnior - Presidente do Cremesp


ENTREVISTA (pág.4)
Susan Greenfield


CRÔNICA (pág.11)
Fabrício Carpinejar*


SINTONIA (pág.12 a 15)
Neurociência e Filosofia


DEBATE (págs.16 a 21)
Todos os cidadãos têm o direito à saúde garantido?


EM FOCO (págs. 22 a 25)
Medicina sobre rodas


GIRAMUNDO (pág.26)
Curiosidades de ciência e tecnologia, história e atualidades


PONTO COM (pág.28)
Informações do mundo digital


HISTÓRIA (págs. 30 a 33)
Com 112 anos de história, Intituto Butantan é um dos maiores centros de biomedicina mundial


HOBBY (págs.34 a 37)
Médicos dedicam-se a escrever poemas


CULTURA (pág.38 a 41)
Pinacoteca de São Paulo realiza mostra sobre gravura brasileira


LIVRO DE CABECEIRA (pág.42)
Por Marco Tadeu Moreira de Moraes*


CARTAS & NOTAS (pág.43)
Medicina na Bolívia atrai grande número de brasileiros


TURISMO (págs. 44 a 47)
Cidades de Santa Catarina guardam um pouco da cultura europeia


FOTOPOESIA (pág.48)
Oscar Niemeyer


GALERIA DE FOTOS


Edição 62 - Janeiro/Fevereiro/Março de 2013

SINTONIA (pág.12 a 15)

Neurociência e Filosofia



Somos apenas nossos cérebros?

João de Fernandes Teixeira*

Em um dos seus mais famosos contos, O Aleph, publicado em 1949, o escritor argentino Jorge Luís Borges narra uma situação bizarra. Ele nos relata a angústia de seu personagem, Carlos Daneri, ao saber que sua casa, em cujo porão havia um Aleph, seria demolida. Inconformado, ele procura o melhor advogado de Buenos Aires para tentar demover seus parentes de pôr em prática algo que para ele seria inadmissível.

Mas, o que é um Aleph? Segundo Carlos Daneri, o Aleph é o mundo, um lugar onde estão todos os lugares do planeta, vistos de todos os ângulos. Ele tem apenas dois ou três centímetros de diâmetro, mas a partir dele seria possível ver o espaço cósmico e tudo o que ocorre no universo, comprimidos em um só instante, com um sabor de eternidade.

Ora, será que existe algo parecido com esse objeto ficcional de Borges? Algo que, pelo menos, se aproxime de um Aleph? Será que não poderíamos comparar o Aleph com o cérebro humano? Não é a partir do que ocorre no cérebro que se descortina todo o universo?

O cérebro humano é o órgão mais complexo de nosso corpo. Ele contém a complexidade do universo condensada em um espaço tão pequeno quanto a caixa craniana. Calcula-se, por exemplo, que o número de sinapses seja parecido com o número de partículas existentes no universo desde o Big-Bang (cada um dos neurônios, cujo número chega a 100 bilhões, ou seja, 1011, tem, em média, 7 mil conexões sinápticas com outros. O maior enigma do cérebro é conter e estar contido no universo ao mesmo tempo. E talvez ele seja mesmo um Aleph, pois é a partir dele que podemos contemplar todo o universo. Todo conhecimento que temos do mundo é produzido pelo cérebro. Se um dia decifrarmos como ele o produz, ou seja, como percebemos o mundo, como raciocinamos e como a consciência se instalou nele, teremos chegado a uma verdadeira pedra filosofal.



De Da Vinci ao mapeamento por ressonância: muitos avanços,
porém ainda sabemos pouco sobre o cérebro humano   

A possibilidade de observar o cérebro vivo, em funcionamento, é algo recente na história da neurociência. Só nos anos 1990, a chamada década do cérebro, que novas tecnologias de observação do cérebro surgiram. A mais famosa delas, a neuroimagem obtida pelo fMRI (a ressonância magnética funcional), levou a neurociência a uma revolução sem precedentes. As imagens obtidas pelo fMRI detectam a atividade neural através das variações metabólicas que ocorrem no cérebro. Eventos neurais aumentam o afluxo sanguíneo pela concentração de oxigênio ou de glicose, e, a partir dessas variações metabólicas, é possível derivar imagens da atividade do cérebro, que são correlacionadas com comportamentos e atividades cognitivas.

Nos últimos anos, imagens do cérebro obtidas por fMRI se tornaram populares na mídia que, com muito exagero, as tem divulgado como se elas fossem fotografias do pensamento. Já se fala até na possibilidade de ler as mentes de outras pessoas observando o funcionamento do cérebro, e até mesmo de utilizar sua atividade elétrica para interagir com alguns tipos de máquinas.

Essas técnicas estão abrindo novas perspectivas na medicina, e levarão, em um futuro breve, à cura de doenças neurológicas, como Parkinson e Alzheimer. Além disso, elas contribuíram para a descoberta de novas medicações para transtornos psiquiátricos.

Mas qual a relação entre a neurociência e a filosofia? Um dos maiores impactos que a filosofia vem vivendo é o fato de a neurociência estar, gradualmente, efetuando uma modificação radical na imagem que o ser humano tem de si mesmo. A herança socrática, que nos vê como uma alma aprisionada no corpo, tende a acabar. Será, então, que somos apenas nossos cérebros? Um punhado de genes em interação com o meio ambiente produzindo a ilusão de que temos um “eu”?

Como todas as ciências nos últimos anos, a neurociência transbordou em direção a questões filosóficas. As religiões e as filosofias sempre enfrentaram o milenar problema mente-cérebro, que consiste em indagar se a mente é um produto do metabolismo cerebral ou se, ao contrário, o cérebro é apenas um hospedeiro biológico da nossa vida mental. Parece que agora estamos chegando a uma resposta final para esse problema. Pelo menos, é assim que pensam muitos neurocientistas contemporâneos.

Um impacto ainda maior da neurociência sobre a filosofia se torna cada vez mais nítido nas questões éticas e jurídicas tradicionais. A disseminação de neurotecnologias, seja por meio do uso de novos neurofármacos ou do implante de chips no cérebro, forçou o aparecimento de um novo ramo da bioética, a neuroética. Se somos apenas nossos cérebros, qual a nossa parcela de responsabilidade moral e legal nos nossos atos? É nessa hora que a neurociência toca em um dos mais complexos problemas da filosofia, ou seja, saber se somos criaturas dotadas de um livre-arbítrio pleno ou, se não, criaturas cujos atos são determinados por leis maiores da química e da física, que regem o universo. Será que um assassino passional deve ter o mesmo tratamento que um matador que, por causa de um tumor cerebral, dispara aleatoriamente contra crianças em uma escola? Será que a função da justiça, após as descobertas da neurociência, continuará sendo a tradicional, ou seja, a de punir para compensar danos morais dos parentes de alguém que foi assassinado, uma espécie de redistribuição burocrática da violência? E se descobrirmos, no futuro, que todos os assassinos têm algo errado em seus cérebros? Nesse caso, será que a justiça não deveria se tornar mais técnica e apenas tirar de circulação indivíduos cujos cérebros os tornam uma ameaça pública?

Paradoxalmente, em uma sociedade na qual os transtornos mentais se tornaram epidêmicos, a angústia se tornou uma inconveniência social inaceitável. Há uma tendência de se tratar qualquer tristeza como se fosse, necessariamente, o sintoma de uma depressão. As pílulas de felicidade são prescritas em abundância. Ser feliz se tornou uma conquista farmacológica, da mesma maneira que ser bonita depende apenas de poder pagar um bom cirurgião plástico.

A neurociência põe em xeque nosso conceito habitual de pessoa. Mas, será que estamos preparados para viver em uma sociedade na qual há um desencantamento total em relação ao eu?

Apesar de todo alarde da mídia, ainda sabemos muito pouco sobre o cérebro humano. Será que um dia a neurociência desvendará o mistério da consciência? Um dos últimos bastiões da reflexão filosófica?


Temos o livre-arbítrio pleno ou somos determinados pelas leis da química e da física?  

Atualmente, a neurociência aposta em dois grandes projetos. Um é o Blue Brain, que está sendo realizado conjuntamente pela IBM e pelo Brain Mind Institute, na Suiça. Ele busca replicar artificialmente partes do cérebro. O outro é o Conectoma, uma tentativa ambiciosa de mapear todas as redes neurais, compostas pelos 100 bilhões de neurônios do cérebro humano, da mesma forma que o genoma mapeou nossos genes.

É esperar para ver. Por enquanto, o cérebro continua ainda o Aleph de que nos fala Borges.


*João de Fernandes Teixeira é professor titular de Filosofia na Universidade Federal de São Carlos e autor de 13 livros, entre eles Filosofia do Cérebro (Paulus, 2012)

Fotos e imagens: Sparkstudio 123RF/Reprodução


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