PÁGINA 7 CREMESP - BOLETIM ESPECIAL | AÇÕES INSTITUCIONAIS ENTREVISTA “OTermo de Consentimento é uma espécie de lei entre as partes, mas não é verdade absoluta” Qual a visão da Justiça sobre complicações e erros médicos? Passos — O grande desafio do julgador está em identificar o que se caracteriza como erro médico, e também imperícia, imprudência e negligência; do fato imponderável, que não se pode prever a ocorrência e, portanto, culpabilizar o médico. A relação médico-paciente pode ser considerada uma relação de consumo? Passos — Existe um mercado para cirurgias reparadoras motivadas por uma perfeição estética divulgada nas redes sociais, cujo conteúdo é devidamente alterado por softwares. Há sempre um médico disposto a fazer uma cirurgia plástica em paciente que tem essa expectativa irreal. Só que, se ele não estiver satisfeito com o resultado, buscará um advogado para reivindicar indenização do médico nos tribunais. De um lado, há uma demanda não atendida por parte do paciente/consumidor e de outro, uma demanda judicial, por conta de uma flexibilização do conceito de dano moral, de que se algo causou sofrimento a alguém, ele pode ter direito à reparação. Como o médico pode precaver-se de processos judiciais, já que a Medicina é uma atividade de meio e não de fim? Passos — Com base nas ações fundamentadas em procedimentos estéticos nos processos que julgamos no Tribunal de Justiça de São Paulo, a queixa recorrente é que não foi entregue aquilo que se prometeu. A relação médico-paciente, por excelência, é de meio, ou seja, o médico deve fazer tudo o que estiver ao seu alcance para atingir o resultado desejado. Caso o resultado não se concretize, por questão técnica, não há discordância de que não há responsabilidade do profissional. Embora se invoque o Código de Defesa do Consumidor, a lei é clara: diz que profissional liberal só responde se houver culpa (responsabilidade subjetiva). Como os cirurgiões plásticos, principalmente, devem lidar com a ansiedade do paciente por perfeição nos resultados? Passos — Se o cirurgião prometer ao paciente que ele ficará com a aparência igual à de um ator famoso, por exemplo, e isso não for alcançado, há um problema contratual não cumprido. Então, na relação contratual em que o médico assumiu o compromisso de cumprir o que foi prometido, neste caso, a relação não é de meio, mas de fim, de um resultado que não foi atingido. Os casos relacionados às cirurgias estéticas não reparadoras estão muito ligados ao transtorno dismórfico corporal. Se o cirurgião plástico não identificar esse transtorno, certamente o paciente irá judicializar sua insatisfação. E pode ser considerada negligência médica por não ter detectado, ou desprezado, a presença de tal distúrbio. Quais são as ações judiciais mais frequentes na relação médico-paciente? Passos — Grande parte se dá por má prestação de serviços, ou seja, o médico que não acompanhou o pós-operatório ou fez mau atendimento, em especial e com grande frequência, em trocas de plantão, sobretudo em tratamentos obstétricos. O médico deve levar em conta a escolaridade e o nível de discernimento do paciente em seus esclarecimentos no pré e no pós- -procedimento ou cirurgia e questionar se todas as dúvidas e explicações foram dadas a contento. Apenas o Termo de Consentimento resguarda o médico? Passos — Nos processos, geralmente há um Termo de Consentimento, que é uma espécie de lei entre as partes. É um elemento que funciona, resolve as questões corriqueiras e é considerado pelo julgador. No entanto, não é verdade absoluta. Em um procedimento ou cirurgia, é impossível prever o que pode acontecer e são essas intercorrências e especificidades que chegam à Justiça. Muitas vezes, é requerido um laudo de um perito, que pode ser convincente ou inconclusivo. É um julgamento complexo. Foto: Osmar Bustos Odesembargador doTribunal deJustiçadoEstadodeSãoPaulo, ÁlvaroAugustodosPassos, esclarecesobreosprocessos judiciaiscontramédicos Então, o que seria considerado ideal para complementar o Termo de Consentimento? Passos — Sempre umbom esclarecimento anterior ao procedimento ou cirurgia e o Termo de Consentimento. Os Conselhos de Medicina poderiam avançar no estudo da utilização de tecnologias — acessíveis e de baixo custo —, como a de gravação, com som e imagem, do momento no qual o médico explica o procedimento ao paciente, e a sua concordância e compreensão sobre todas as possíveis intercorrências do tratamento. Imagens são sempre muito elucidativas e esclarecedoras. Como há divergência se isso seria possível, em razão do que dispõe o Código de Ética Médica, seria o caso de se pensar no encaminhamento de proposta de alteração legislativa, a fim de viabilizar tal recurso. O argumento frequente do paciente é que ele não entendeu o que assinou no Termo de Consentimento. Então, o juiz inverte o ônus da prova, a fim de que o médico prove que o orientou adequadamente. Se o profissional não conseguir provar, isso pode levar ao reconhecimento de sua responsabilidade. ÁLVARO AUGUSTO DOS PASSOS Passos: “o médico deve dar esclarecimentos no pré e no pós-cirúrgico”
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