SER MÉDICO • 35 a estratégia em si, que não tem respaldo científico quanto à capacidade de fixar médicos nos locais remotos. O mesmo estudo afirma que "diferentemente de algumas expectativas, o aumento da oferta de médicos, apesar de expressivo, não alterará, por si só, as desigualdades de distribuição geográfica desses profissionais no Brasil”. Ou seja, por si só, a estratégia empregada pelo MEC, entre 2014 e o início da moratória, e agora retomada, encontra-se em descompasso com o que é proposto pela comunidade acadêmica, especialista no tema. O estudo ainda alerta que "poderá haver acirramento das disparidades de concentração de médicos” e que, "se medidas não forem adotadas, estará mantida ou será agravada a desigualdade de distribuição geográfica, o que fará persistir a escassez localizada de profissionais, mesmo em cenário de maior e crescente oferta global de médicos.” O aumento de novas escolas, sem a devida qualificação, é um grande risco para a sociedade. É inútil investir em melhorias estruturais se o elemento humano não é adequadamente capaz. E isso tem se expressado, cada vez mais, no aumento das denúncias de má pratica médica, recebidas por este Conselho. A formação médica requer treinamento prático supervisionado, e não apenas teórico — algo que, muito provavelmente, não será ofertado, já que, se há carência de médicos nestes locais, não há estrutura de Saúde e também teremos problemas em contratar docentes. O Cremesp corrobora os dados expostos pelo Estudo Demografia Médica no Brasil 2023, considerando a abertura de novas escolas médicas como inócua e sem respaldo científico. Mais do que isso, é algo perigoso ao não garantir a qualidade da formação, além de estimular um mercado bilionário que poderá levar à mercantilização da educação médica. Essas instituições são, em sua maioria, particulares, com mensalidades elevadíssimas. Sobre esse ponto em específico, aproximadamente 90% das novas vagas abertas entre 2013 e 2022 foram em instituições privadas, que movimentaram R$ 20,9 bilhões em 2022, contra uma cifra que não chegava a R$ 5 bilhões em 2002. Além disso, cerca de 90% das vagas privadas em faculdades de Medicina se concentram em alguns grupos empresariais, o que revela estar se constituindo um oligopólio nesse mercado. Justamente por isso, a matéria é objeto de judicialização junto ao Supremo Tribunal Federal (STF). Em audiência pública, em 17 de outubro de 2022, no âmbito dessa ação, o Cremesp defendeu uma auditoria, por parte dos órgãos competentes, das faculdades de Medicina atualmente em operação no País, bem como a continuidade da moratória. Os magistrados também foram alertados sobre o crescente número de casos de má prática médica que vem sendo observado ultimamente. Além disso, também se faz necessária a discussão sobre a adequação do número de vagas ao sistema de saúde e aos docentes que a instituição pode contratar. Importante destacar que nas cidades onde serão implantadas novas faculdades é necessário um sistema de saúde adequado, além de hospital universitário, UBSs, ambulatórios de médicos de famílias, AMEs, UPAs e prontos-socorros. Ou seja, todos os locais de atendimento em que possa haver aprendizado. Por fim, o Cremesp ressalta que o aumento indiscriminado de escolas médicas resultará na formação de médicos de diferentes níveis técnicos, muitos deles não capacitados integralmente para exercer a profissão. No entanto, a legislação do País determina que, após estes profissionais serem registrados nos Conselhos Regionais de Medicina, estão autorizados a realizar a atividade médica em sua plenitude. É aterrorizador. É o que queremos para o Brasil? *Irene Abramovitch é presidente do Cremesp “O aumento de novas escolas, sem a devida qualificação, é um grande risco para a sociedade. É inútil investir em melhorias estruturais se o elemento humano não é adequadamente capaz”
RkJQdWJsaXNoZXIy NjAzNTg=