D O S S I Ê : TR AN S P LANT E S E DOAÇÃO D E ÓRGÃOS | E M F O C O 2 0 • S E R M É D I C O ser em um período de quatro anos (1997-2001), quando todos os cidadãos foramconsiderados doadores após a morte, a menos que tivessem documentado em contrário no RG ou na carteira de motorista. Foi uma tentativa de seguir países como a Itália, a Bélgica, a Hungria, a Croácia e, especialmente, a Espanha, nos quais esse sistema, combinado com o respeito social pelos doadores de órgãos, contribuiu sobremaneira para o sucesso do programa de aquisição de órgãos. Nessa época, o que se observou no Brasil foi um predomínio da recusa de doações, em parte, por ausência de informações; pela falsa ideia de que os órgãos seriam removidos sem seguir protocolos médicos; e pela rejeição à ingerência na autonomia dos indivíduos e suas famílias — sentimento tão forte em nossa cultura e história. Contudo, mesmo respaldada pela lei, nenhuma equipe médica retirou órgãos de doadores falecidos sem a autorização dos familiares. Segundo Moraes e Massarollo (2009), muitos são os motivos para a família de potenciais doadores recusarem a realização do procedimento no Brasil, como a crença religiosa; a esperança de um milagre; a falta de compreensão do diagnóstico de morte encefálica; a crença na reversão do quadro; a rejeição à manipulação do corpo; o medo da reação da família; a inadequação da informação e a ausência de confirmação da morte encefálica; a desconfiança na assistência e o medo do comércio de órgãos; a inadequação no processo de doação; o desejo do paciente falecido, manifestado em vida, de não ser um doador de órgãos; e o medo da perda do ente querido. Para Lamb (2000), “as inferências filosóficas mais desdobradas e as implicações éticas mais completas da era dos transplantes despontaram em 1967, na Cidade do Cabo, África do Sul, quando o cirurgião Christiaan Barnard realizou o primeiro transplante de coração”. Um debate moral posterior (não resolvido) concluiu que a Medicina não era isenta de valores. Para o autor, as dúvidas sobre o primeiro transplante cardíaco não abrangiam somente o âmbito considerado “aceitável” para a luta e manutenção da vida, mas as imperfeições referentes à própria natureza do valor da vida humana e “aos inúmeros inconvenientes morais despertados quanto à responsabilidade de laborar com órgãos humanos”. REFLEXÕES ÉTICAS Como em todo e qualquer procedimento médico que objetive portante terapêutica. Em terceiro lugar, falta empenho na divulgação do procedimento. As primeiras leis que normatizaram a doação de órgãos, depois da promulgação da Constituição Federal, são datadas da década de 1990, sendo a mais conhecida e importante a Lei nº 9.434/1997, a Lei dos Transplantes, ainda em vigor. Em suma, ela prevê que a retirada de órgãos para doação post mortem depende do diagnóstico médico de morte encefálica e “da autorização do cônjuge ou parente maior de idade, obedecida a linha sucessória até o segundo grau inclusive, estipulada em documento subscrito por duas testemunhas presentes à verificação da morte”. Ainda pressupõe que, em caso de incapazes, a doação necessita da autorização de ambos os pais ou representantes legais, sendo proibida a remoção de órgãos de pessoas não identificadas. O consentimento dos familiares em relação à doação de órgãos sempre foi a norma no Brasil, a não [2] Apesar das frequentes campanhas de doação, a oferta de órgãos é menor que a demanda [2] PANUWAT DANGSUNGNOEN/ISTOCK
RkJQdWJsaXNoZXIy NjAzNTg=