S E R M É D I C O • 3 7 ILUSTRAÇÃO: DEHILA CAMPELO empatia que jamais tive antes porque, pela primeira vez, eu era mãe além de médica. Não que eu não tivesse empatia antes de ser mãe, mas agora eu sentia muito mais as dores daquele casal sentado diante de mim e de sua primogênita. Corri contra o tempo. Utilizamos tudo o que a Medicina pode oferecer a um paciente com uma infecção tão grave, mas o choque não revertia, e a cada minuto a criança piorava. Fazia muito tempo que não via um caso tão grave. Ao término do meu plantão, a criança já estava emECMO. Já havia apresentado uma parada cardíaca, e eu não conseguia parar de pensar que poderia ser minha filha. Ao me despedir dos pais, eu chorei com eles, chorei a dor deles e chorei porque eu já percebia qual seria o desfecho. Eu nunca tinha chorado na frente dos pais de um paciente. Fui para casa com extrema tristeza. Na rádio tocava Let it be, dos Beatles, o que me fez questionar se realmente deveria haver alguma razão para aquela família estar passando por essa situação. Como haveria uma razão para a perda de um filho? Ao chegar em casa, abracei muito minha filha e disse que a amava. Chorei novamente, chorei a dor daquela família, chorei pela minha sensação de impotência. Mais tarde, recebi a notícia de que a criança havia falecido. Infelizmente, um caso de evolução catastrófica. A partir desse momento, me dei conta de que não sou mais a mesma médica desde o nascimento da minha filha. A dor do outro me pertence muito mais. Agora eu entendo as pessoas que fazem cara de espanto quando digo que trabalho numa UTI pediátrica: “Como você aguenta lidar com tanta criança em caso grave?” A partir desse plantão, estou pronta para dizer que sofro muito pela perda de um paciente, mas que minha busca para fazê-lo viver é infinitamente maior. *Médica Intensivista Pediátrica.
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