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4 0 • S E R M É D I C O C R Ô N I C A édico dedicado e humanista, dr. Hypólito só possuía maior que a competência, a bondade no coração. Atuando em cidade pequena, de interior, em meados do século 20, exercia a arte de curar na plenitude, como era comum aos médicos de interior daquela época. O chamado na roça para assistir partos era frequente. Certa vez, numa noite de Natal, foi a cavalo, pois de carro era impossível; chovia muito, cavalgou por uma hora, seria um parto difícil. Sem possibilidade de transportar a paciente, ouvia o marido clamar: “Doutor, salva minha mulher e esquece a criança, tenho cinco filhos para criar”. Ele sabia qual devia ser a conduta: o Basiotribode Tarnier, espécie de fórceps de três peças com uma ponta no meio, poderia ser usado em feto morto, mas também no vivo, em circunstâncias extremas, sacrificando-se a criança para salvar a mãe. Mas ele nunca o usava. Lutou durante horas, madrugada adentro. O suor na fronte evidenciava seu esforço, e ao alvorecer sorriu: salvara a A comovente história do dr. Hypólito Fontoura Por Lybio José Martire Junior* M criança e a mãe. Sentia-se recompensado, não monetariamente, uma vez que em grande parte das vezes sequer cobrava, mas pela gratidão daquela pobre gente. Sua casa era de aluguel, o dono, seu amigo e paciente, a quem curara, era grato ao doutor e se sentia honrado em tê-lo como inquilino. Assim passaram-se muitos anos, sorrateira e inexoravelmente. A cidade cresceu, veio o progresso, a população se alterou, os hábitos mudaram, o desenvolvimento transformou tudo. Sua gentil esposa faleceu. Sem filhos e já perto da nona década de vida, morava só, vez ou outra saía para as compras necessárias vestindo um velho terno desgastado com a cabeleira alva em desalinho. Certa vez, ao vê-lo na rua, uma menina perguntou à mãe quem era. “Ouvi dizer que é um médico antigo da cidade”, disse ela. E a menina retrucou: “Nossa! Deve ter sido péssimo para se encontrar assim nessa idade”. Meses após perder a esposa, recebeu uma carta. Era uma ação de despejo, pois seu amigo, o dono do imóvel, falecera e os descendentes haviam vendido a casa para uma incorporação comercial. Sem parentes, e com a minguada aposentadoria da previdência, não lhe restou outra opção senão o asilo da cidade. Ninguémmais se lembrava dele, apenas a natureza o recompensava com a boa saúde aos 88 anos. As

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