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S E R M É D I C O • 1 SER MÉD I CO CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA DO ESTADO DE SÃO PAULO Nº 105 • ANO XXVI • 2024 WWW. C R EME S P. O R G . B R Medicina Esportiva ENTREVISTA Rodrigo Carneiro Sasson, chefe médico do Comitê Olimpíco do Brasil Pág. 6 OPINIÃO Os desafios e as perspectivas da Medicina Esportiva Pág. 31 HOBBY A terapia do pedal nas viagens de bicicleta de um ortopedista Pág. 36 TURISMO O cenário deslumbrante do Taiti e a prática do surfe na ilha Pág. 42 Da Grécia Antiga aos avanços tecnológicos do século 21, a história da Medicina Esportiva traz conquistas e desafios; avaliação pré-participação contra eventos adversos à saúde; abordagens da traumatologia na especialidade; prevenção, tratamentos e desafios no diagnóstico da concussão e outras lesões esportivas; dopagem nos esportes; e atuação do médico especialista no cenário dos jogos eletrônicos

Se não é médico, não pode realizar procedimento médico. SE NÃO TEM CRM, NÃO É MÉDICO. Lei do Ato Médico. É seu direito. É para sua segurança. É a lei. Cuida e de t Cuidando da medicina e de toda a sociedade. Cuidando da medicina Cuida e de t Cuida e de

S E R M É D I C O • 1 N E S TA E D I Ç Ã O m um ano marcado pela realização dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos de Paris, nada mais oportuno do que dedicar esta edição da Ser Médico à Medicina Esportiva (ME). Trata-se de uma especialidade médica em plena expansão, que a cada dia gera novas oportunidades de atuação para o médico especialista, dada a importância da orientação clínica na prática de exercícios por jovens, adultos e idosos, ou no acompanhamento de atletas de alto rendimento. É o caso, por exemplo, do médico do esporte e ortopedista Rodrigo Carneiro Sasson, chefe médico do Comitê Olímpico do Brasil (COB), que, em entrevista exclusiva à Ser Médico, fala sobre sua trajetória profissional na área esportiva, destacando o trabalho na recuperação de medalhistas, como a ginasta campeã nas Olimpíadas de Paris, Rebeca Andrade, em 2024, e a nadadora Ana Marcela Cunha, de Tóquio, em 2020. Ele também comenta sobre os avanços das técnicas e os desafios da especialidade, ressaltando o lugar de destaque do Brasil, hoje considerado referência internacional no atendimento aos atletas. O surgimento e a evolução da ME poderão ser conhecidos na restringe ao ambiente esportivo. Entre as novas oportunidades, está o cuidado à saúde física e mental de adeptos e atletas de jogos eletrônicos, modalidade que deve ingressar nas recém-criadas Olimpíadas de e-sports, cuja primeira edição está prevista para 2025, na Arábia Saudita. Já a progressão do estudo das lesões em esportes, principalmente nos de alto rendimento, ao longo dos últimos 30 anos, é apresentada em Tecnologia. Entre as seções para entretenimento — como Turismo, que nos presenteia com os cenários paradisíacos e a cultura do Taiti —, em Crônica, o leitor poderá conferir a história comovente do dr. Hypólito Fontoura. Boa leitura!  Alexandre Kataoka Coordenador da Assessoria de Comunicação seção História, em matéria que relata desde suas origens na Grécia Antiga até sua consolidação como especialidade no Brasil e no mundo, exercendo um papel essencial na promoção da saúde, no tratamento de lesões e na melhoria do desempenho no esporte. Em foco apresenta uma discussão sobre os tratamentos e os desafios do diagnóstico da concussão durante práticas esportivas que envolvem contato e colisões, trazendo ainda um artigo bastante esclarecedor sobre o grave problema da dopagem nos esportes. Alertando, por exemplo, para os riscos e a necessidade fundamental de os médicos esportivos estarem cientes da lista de substâncias e métodos proibidos pela Agência Mundial Antidopagem, pois também estão sujeitos a julgamento e, consequentemente, a penalidades. Por sua vez, Panorama aborda o modelo ideal da avaliação pré- -participação esportiva na prevenção da morte súbita de atletas amadores e profissionais. Além disso, discute aspectos médicos na atividade física, nas áreas da prevenção, terapêutica e promoção da saúde e reabilitação. Vemos em Vanguarda que a atuação do especialista não se E [1] FOTO: OSMAR BUSTOS [1] A MEDICINA ESPORTIVA BRASILEIRA É PARÂMETRO INTERNACIONAL

2 • S E R M É D I C O Certificado no escopo: Serviços cartoriais relativos à Pessoa Física e Pessoa Jurídica; serviços judicantes realizados na sede do Cremesp, relativos às atividades administrativas para a tramitação de sindicâncias e de processos ético profissionais; manutenção dos dados cadastrais dos médicos; intermediação da isenção de rodízio municipal de veículos; atendimento telefônico e presencial na sede e delegacia da Vila Mariana, referente aos serviços cartoriais. EXPED I ENTE CONSELHEIROS Alexandre Kataoka, Angelo Fernandez, Angelo Vattimo, Antonio Augusto Nunes de Abreu, Chien Yin Lan, Christianne Cardoso Anicet Leite, Ciro Gatti Cirillo, Cristina Prata Amendola, Daniel Kishi, Edson Umeda, Eduardo de Campos Werebe, Eliandre Costa Palermo, Eliane Aboud, Eloisa Ferreira de Almeida Costa, Elzo Garcia Junior, Fabio Sgarbosa, Flavia Amado Bassanezi, Flavia Bellentani Casseb, Irene Abramovich, Joaquim Francisco de Almeida Claro, Jose de Freitas Guimaraes Neto, Krikor Boyaciyan, Marcus de Medeiros Matsushita, Maria Alice Saccani Scardoelli, Maria Aparecida Pedrosa dos Santos, Mario Antonio Martinez Filho, Mario Mosca Neto, Marise Pereira da Silva, Newton Kara Jose Junior, Paulo Cézar Mariani, Paulo Henrique Pires de Aguiar, Pedro Sinkevicius Neto, Regina Maria Marquezini Chammes, Renato Azevedo Júnior, Roberto Rodrigues Junior, Rodrigo Lancelote Alberto, Rodrigo Souto de Carvalho, Rogerio Tuma, Sandro Scarpelini, Silvio Sozinho Pereira, Wagmar Barbosa de Souza e Wilmar Azal Junior. CONSELHO EDITORIAL Alexandre Kataoka, Angelo Vattimo, Christianne Cardoso Anicet Leite, Irene Abramovich, Pedro Sinkevicius Neto e Wagmar Barbosa de Souza SER MÉDICO Coordenador do Departamento de Comunicação: Alexandre Kataoka Chefe da Assessoria de Comunicação: Carolina Marcelino Líder da Assessoria de Comunicação: Júlia Remer Editora: Aglaé Silvestre Subeditora: Ivolethe Duarte Colaboradores: Concília Ortona Reyes, Fátima Barbosa, Nara Damante e Vitor Bastos Fotografia: Osmar Bustos Designer Gráfica: Jade Longo Administrativo: Bruna Carolina Wojtenko e Leonardo Costa Estagiária: Maria Eduarda Oliveira Lima Impressão: Plural Indústria Gráfica Tiragem: 192.000 exemplares. Periodicidade trimestral. Opinião e conceitos emitidos em matérias assinadas não refletem necessariamente a opinião da Ser Médico ISSN: 1677-2431 Imagem da capa: KOYU/Istock. CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA DO ESTADO DE SÃO PAULO CAT - Central de Atendimento Telefônico: (11) 4349 - 9900. Atendimento na sede: Rua Frei Caneca, 1.282 — Consolação (das 9h às 18h) E-mail: sm@cremesp.org.br DIRETORIA Presidente: Angelo Vattimo Vice-presidente: Maria Alice Saccani Scardoelli 1ª Secretária: Irene Abramovich 2º Secretário: Wagmar Barbosa de Souza 1º Tesoureiro: Pedro Sinkevicius Neto 2º Tesoureiro: Daniel Kishi Corregedor: Rodrigo Lancelote Alberto Vice-corregedora: Flavia Amado Bassanezi Assessoria de Comunicação: Alexandre Kataoka Delegacias Metropolitanas: Mario Antonio Martinez Filho Delegacias do Interior: Christianne Cardoso Anicet Leite Departamento de Fiscalização: Roberto Rodrigues Junior Departamento Jurídico: Joaquim Francisco de Almeida Claro

Í ND I CE 6 ENTREVISTA / RODRIGO CARNEIRO SASSON O chefemédico do Comitê Olimpíco do Brasil fala sobre aMedicina Esportiva no atendimento aos atletas 4 CARTAS & NOTAS 12 MEDICINA ESPORTIVA / HISTÓRIA Da Grécia Antiga aos avanços tecnológicos do século 21, a história da especialidade, comsuas conquistas e desafios 16 MEDICINA ESPORTIVA / PANORAMA Avaliação pré-participação esportiva contra eventos adversos à saúde; e as abordagens da traumatologia na Medicina Esportiva 26 MEDICINA ESPORTIVA / VANGUARDA A atuação do médico do esporte no cenário dos jogos eletrônicos 29 34 MEDICINA NO MUNDO Avanços em transplantes e no tratamento da esquizofrenia; novas pesquisas sobre hipoglicemia pós-prandial HOBBY Terapia do pedal nas viagens de bicicleta de ummédico do esporte 40 39 TURISMO | TAITI Praias, cenários deslumbrantes e a tradição da prática do surfe na ilha 42 AGENDA CULTURAL Confira as dicas culturais da Ser Médico 45 36 CRÔNICA A comovente história do dr. Hypólito Fontoura RESENHA Green Book, o encontro improvável, mas possível, entre as diferenças 21 MEDICINA ESPORTIVA / EM FOCO Tratamentos e desafios no diagnóstico da concussão; e o problema da dopagem nos esportes 31 OPINIÃO / MEDICINA ESPORTIVA Desafios e perspectivas para a especialidade em franca expansão no País MEDICINA ESPORTIVA / TECNOLOGIA Prevenção e diferentes formas de tratar cada tipo de lesão esportiva FOTOPOESIA Futebol, de Carlos Drummond de Andrade 48

4 • S E R M É D I C O CARTAS & N O T A S Cartas para: sm@cremesp.org.br ou Rua Frei Caneca, 1.282, Consolação, São Paulo - SP — CEP 01307-002. A Ser Médico reserva-se o direito de publicar trechos das mensagens. Informe o nome completo e número de CRM, se for médico/a. [1] LIVRO ORIENTA USO DE REDES SOCIAIS POR MÉDICOS [1] CREMESP diferença entre perfil pessoal e profissional; permutas e parcerias; divulgação de clínicas e consultórios; e participação em entrevistas. A versão online está disponível no site do Cremesp: https://www.cremesp.org.br/library/modulos/flipbook/ publicacao/74/index.html Os médicos do Estado de São Paulo que tiverem interesse em retirar um exemplar da publicação em uma das unidades do Cremesp podem entrar em contato pelo email asc@cremesp.org.br, para verificar a disponibilidade. O Guia de Boas Práticas na Divulgação Médica é uma publicação criada pelo Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp) para auxiliar os profissionais em relação à utilização das redes sociais. A publicação também orienta sobre a divulgação de assuntos médicos em outras mídias, na publicidade e em eventos. O guia traz regras básicas de divulgação; recomendações sobre posts e artigos; publicação de selfies; o que curtir e compartilhar e como comentar;

S E R M É D I C O • 5 NOVO CANAL DE DENÚNCIAS EXCLUSIVO PARAMÉDICOS O Cremesp criou umnovo canal online de denúncias, exclusivo paramédicos, que gera automaticamente umnúmero de protocolo ao final do preenchimento de formulário online. O serviço está disponível na Área doMédico no site do Cremesp que, ao ser acessada, abre um documento que padroniza informações básicas necessárias para a condução da denúncia, tais como: tipo de assunto, nome e endereço da instituição geradora da queixa, descrição do caso, alémde campo para anexar documentos e provas do caso. No botão “selecionar assunto” estão elencados os temas de denúncias mais frequentes: retenção de honorários, Programa Mais Médicos, práticas abusivas de operadoras de saúde, infraestrutura/condições de trabalho e todo tipo de assédio e violência. Caso o assunto não esteja mencionado, a queixa poderá ser registrada como “outros”. É imprescindível preencher todo o formulário e descrever o caso. [2] FAC-SÍMILE: HTTPS://WWW.CREMESP.ORG.BR/IMAGENS/FILES/A/PASSO_PRERROGATIVAS(1).PDF [2] SER MÉDICO RECEBE SUGESTÕES DE POESIAS E CRÔNICAS Os médicos que quiserem contribuir com sugestões de poesias e crônicas para publicação na revista Ser Médico podem enviar suas propostas para o email asc@cremesp.org.br. As sugestões de crônica podem ter, no máximo, 3.600 caracteres com espaço; e, as poesias, 1.800 caracteres com espaço. Os textos serão avaliados pela equipe da redação e pelo Conselho Editorial da revista. A publicação reserva-se o direito de editar as propostas aprovadas. O novo serviço exclusivo substitui o encaminhamento de denúncias ao e-mail prerrogativas@cremesp.org.br, com o objetivo de agilizar as queixas dos médicos. Dessa forma, as novas denúncias feitas por profissionais de Medicina pelo email prerrogativas@cremesp.org.br não serão mais acatadas. Se o formulário da Área do Médico não for preenchido, a denúncia será desconsiderada. No entanto, caso a mensagem se destine a complementar uma denúncia anteriormente formulada — tais como envio de provas adicionais, encaminhamento de respostas a solicitações ou ofícios —, o email prerrogativas@cremesp.org.br pode continuar a ser utilizado. Os documentos serão incorporados ao protocolo existente e remetidos à análise. Já as denúncias feitas por não médicos continuarão sendo recebidas pelo referido e-mail.

6 • S E R M É D I C O E N T R E V I S TA equipe que compõe o Comitê Olímpico do Brasil (COB) reúne médicos que são referência técnica na área, capazes de prover os atletas do melhor em termos de prevenção e tratamento de lesões e aprimoramento de performance. Para tanto, têm disponível aparelhagem de ponta, equivalente ao oferecido por países desenvolvidos. Mas existe um diferencial em relação aos comitês estrangeiros: a valorização dos aspectos humanos e individuais dos competidores. Essa é a visão do médico do esporte e ortopedista Rodrigo Carneiro Sasson, chefe médico do COB, que, em entrevista exclusiva à Ser Médico, explicou que o grupo tem como prioridade considerar os atletas como indivíduos em sua totalidade, com nuances específicas. “Não acredito na Medicina como um protocolo que serve para todas as pessoas, e, nisso, somos referência”. Aos 36 anos, atuando no COB há oito, Sasson traz em sua história profissional o trabalho na recuperação de medalhistas como a ginasta Rebeca Andrade — que havia passado por três cirurgias para tratar lesões do ligamento cruzado anterior (LCA) — e da nadadora Ana Marcela Cunha — campeã em Tóquio em 2020, operada por conta de danos no ombro. Ambos os casos culminaram em superação, apesar das muitas dúvidas das próprias atletas se poderiam render em provas de alto nível, no decorrer do tratamento. “No fundo, o objetivo da Medicina Esportiva e da equipe multidisciplinar é estudar e se empenhar pelo melhor da saúde e da performance do atleta, para que este atinja os resultados que tanto busca, mas com felicidade e apoio. Para isso, a gente faz tudo”, revelou nessa conversa, que abarcou ainda temas como a relação médico-esportista, a prevenção ao doping e as dificuldades para a formação de profissionais da sua especialidade. O atleta deve ser visto como um ser humano por inteiro e único A | R O D R I G O C A R N E I R O S A S S O N Concília Ortona Reyes

S E R M É D I C O • 7 [1] ARQUIVO PESSOAL/RODRIGO CARNEIRO SASSON [1] Ser Médico – Quem se interessa por Medicina Esportiva, em geral, é o ortopedista, como o senhor? Rodrigo Sasson — Em números absolutos, a Ortopedia é a especialidade que congrega mais médicos no esporte, pois as demandas musculoesqueléticas são as mais frequentes. Por isso, muitos ortopedistas estão na área, mas para terem o título precisam passar por pós-graduação ou residência. A Medicina Esportiva é hoje uma especialidade reconhecida com residência direta, sem a necessidade de cursar antes outra, como Ortopedia ou Cardiologia. A barreira para a formação é que não há tantas residências nessa área. Para ter uma ideia, o Rio de Janeiro, onde moro, não dispõe de nenhuma. Eu mesmo fiz pós-graduação no Comitê Olímpico Internacional. Apesar dessas dificuldades, considero que essa talvez seja a área médica mais completa, pois envolve, além de médicos ortopedistas, cardiologistas, neurologistas, reumatologistas, e até psiquiatras, entre outros, e todos se complementam no esporte de alguma forma. Ser — Antes de ser médico chefe do COB, o senhor trabalhou na recuperação de atletas como a ginasta Rebeca Andrade e a nadadora Ana Marcela Cunha, ambas medalhistas olímpicas. Durante as competições o médico acaba se tornando umtorcedor? Sasson — Com certeza. Muito além do âmbito técnico, a Medicina é principalmente humana. Não há como não se envolver com alguém que faz parte da nossa vida, da nossa rotina, com uma pessoa para a qual trabalhamos pelo melhor. No fundo, é o grande objetivo da Medicina Esportiva, com o apoio da equipe multidisciplinar, trabalhar, estudar, enfim, empenhar-se pelo ideal da saúde e da performance do atleta, para que ele possa desempenhar sua modalidade feliz, atingindo todos os resultados almejados. Oito anos atrás, ao integrar o COB, comecei a atuar junto às atletas da ginástica artística. A partir daí, criamos um forte vínculo com as meninas que agora se tornaram medalhistas olímpicas em Paris, como Rebeca Andrade, Flávia Saraiva, Lorrane Oliveira, Julia Soares e Jade Barbosa. Algumas ainda nem tinham 18 anos! Passamos juntos por muitas lesões, mas, pelo lado bom, conseguimos o aprimoramento no ambiente de trabalho, a fim de torná-lo mais humano e saudável, o que traz consequências no resultado. Nessa trajetória, todos nos identificamos bastante, pois, da mesma forma que os atletas, médicos e outros profissionais da saúde precisam abrir mão de tantas coisas particulares, privarem-se da própria casa e convivência familiar, em prol Não conheço País que valorize mais o aspecto humano nas competições do que o Brasil

8 • S E R M É D I C O do esporte. Os atletas e a equipe médica acabam se tornando um tipo de família, tanto pelo convívio, quanto pelos objetivos em comum. As situações da Rebeca e da Ana Marcela foram emblemáticas na minha vida. Elas vivenciaram problemas médicos complexos, capazes de abalar seu estado psicológico e saúde mental, levando-as, inclusive, a ter dúvidas sobre o futuro, se seria possível voltar a apresentar performances de alto nível após as lesões. A superação foi obtida pelo imenso esforço e sacrifícios próprios, e por conta da integração com treinadores, equipe e sua própria família. Todo mundo chorou quando chegaram ao pódio. Senti como se fossem minhas próprias filhas competindo — e todo mundo sabe que nossos filhos têm mais importância do que nós mesmos. Ser — Em uma situação pontual, como a preparação de atletas para competição, é possível estabelecer uma relação médico-paciente, da mesma forma que o seria no contexto de assistência, em hospital e/ ou consultório? Sasson — Com certeza é possível, pois, no final, o que queremos é ajudar na melhora da saúde de ambos. Na verdade, acabamos convivendo mais com os atletas do que com pacientes no ambulatório e no consultório, porque há épocas em que ficamos o dia inteiro com eles em treinos e em viagens. A identificação pode ser ainda maior. Nas últimas olimpíadas, em Paris, ficamos com os atletas de manhã, tarde e noite, fazendo refeições juntos, indo aos jogos. Foram quatro semanas longe da nossa rotina. Além de tudo, o atleta se torna uma espécie de colega de trabalho, e existe uma proposta comum de sucesso coletivo. Cria-se um tipo de interação na qual acabamos conhecendo mais a realidade dele, como é sua família, suas necessidades, pontos fortes, fragilidades, e como é possível ajudar, se for o caso. Esses passos são essenciais para estabelecer um elo de confiança e alcançar os melhores resultados no trabalho como um todo. É o que torna a especialidade mais humana. Ser — No Brasil, a Medicina Esportiva está evoluindo ao nível de países desenvolvidos, na prevenção e tratamento de lesões, e no preparo e desempenho das equipes? Sasson — Posso afirmar que somos referência na área, a partir da experiência com outros comitês olímpicos, com grupos de outras modalidades, e depois de participar de cursos e pós-graduações nesse universo. Conseguimos ser um parâmetro internacional. Não conheço País que valorize mais o aspecto humano nas competições do que o Brasil, na forma calorosa de lidar com o atleta, de querer o melhor para ele, de entender suas nuances e avaliá-lo, tentando extrair dele o melhor em seu desempenho e vê-lo feliz com isso. Países como os Estados Unidos e Inglaterra priorizam acima de tudo as tecnologias disponíveis, nós tamO COB foi o comitê mais completo em especialidades médicas durante as Olimpíadas [2] [2] ARQUIVO PESSOAL/RODRIGO CARNEIRO SASSON E N T R E V I S TA | R O D R I G O C A R N E I R O S A S S O N

S E R M É D I C O • 9 bém temos equipamentos de ponta, mas nossa Medicina não vai atrás de resultados a qualquer custo. O departamento médico brasileiro, nas Olimpíadas, contou com os aparelhos de maior evidência para a prevenção e o tratamento de lesões, não deixou de oferecer nada que outro país de referência dispôs, como ultrassom, laser de alta intensidade e equipamentos de fisioterapia. Todas as adversidades, mesmo as mais complicadas, foram resolvidas em nossa estrutura, da qual só saímos uma vez para uma ressonância magnética e, ainda assim, seguimos com o tratamento internamente. O COB foi também o comitê mais completo em especialidades médicas. Além de médicos do esporte e ortopedistas, contamos com ginecologista do esporte e psiquiatra do esporte, e, claro, com profissionais como fisioterapeuta, massoterapeuta, preparador físico, bioquímico, biomédico e nutricionista, entre outros. Ser — A partir da sua experiência, avalia que casos de doping estejam diminuindo? "As instituições responsáveis pelas avaliações de dopagem também progrediram em tecnologia, tornando mais fácil e precoce a detecção de substâncias proibidas" As razões da melhoria na performance do Brasil em Paris são multifatoriais e envolvem desde a estrutura de treino até treinadores que são referência internacional [3] [3] ARQUIVO PESSOAL/RODRIGO CARNEIRO SASSON Sasson — Entendo que sim. Hoje os atletas contam com maior acesso em relação à educação e à prevenção a esse problema e deve ser por isso que os casos parecem estar diminuindo. O COB, por exemplo, tem um departamento específico de orientação sobre doping, por meio do qual os atletas são educados no tema desde as categorias de base, para entenderem o quanto saúde e performance são coisas sérias. Nada de antiético ou contra as regras é admitido. Vale mencionar que, em boa parte das vezes, os dopings ocorrem não por maldade do atleta ou por ele querer burlar as normas, mas por desconhecimento e falta de informação. Ou seja, o atleta nem imaginava que determinada substância poderia ser apontada como doping. Talvez tenha tomado um remédio dado por um familiar; um suplemento manipulado com alguma contaminação; ou, até, usou uma fórmula prescrita por um médico sem experiência com esporte, proibida nas fases de competição. Por outro lado, as instituições autorizadas responsáveis pelas avaliações de dopagem também progrediram em tecnologia, tornando mais fácil e precoce a detecção de substâncias proibidas. Essa maior sensibilidade poderia até resultar em aumento de doping, porém leva os atletas a refletirem que, se usarem algo fora das regras, dificilmente não serão pegos. As punições também coíbem, pois são bem severas.

1 0 • S E R M É D I C O E N T R E V I S TA | R O D R I G O C A R N E I R O S A S S O N Ser — Há algum tipo de vantagem ao atleta que usa suplementos? Sasson — Atualmente suplementos com propósitos ergogênicos se encontram mais acessíveis, com evidência importante para melhora de performance tanto na parte aeróbica quanto anaeróbica. Os benefícios vinculam-se a rendimento muscular, massa muscular e redução da fadiga (recovery) do atleta. Então, sim, vejo benefícios na suplementação. Por mais que substâncias como carboidratos e proteínas estejam presentes na alimentação rotineira, seriam necessárias enormes quantidades se a meta for suprir os gastos de nutrientes e energéticos de um atleta. As refeições ficariam muito grandes e pesadas e isso também prejudicaria a rotina alimentar. Mas qualquer suplementação deve ser feita de maneira correta, com suplementos industrializados, sem risco de contaminação, de empresas de marca conhecida, e com o uso orientado por um profissional, seja médico ou nutricionista. Este será responsável por indicar a rotina alimentar e suplementar adequada, com base naquela individualidade, sua modalidade e rotina de treino. Assim como o treino é periodizado, isto é, o atleta não treina todo dia da mesma forma, a suplementação também o é. Ele não precisa ingerir os suplementos da mesma forma diariamente, ou de manhã e à tarde. Isso vai variar de acordo com o tipo de treino e a situação, se o atleta está fatigado ou não, e se está competindo. Ser — O comitê assumiu alguma postura em relação à polêmica sobre as boxeadoras reprovadas nos testes de gênero, no mundial de boxe de 2023? Conforme a International Box Association (IBA), há no contexto “sérias questões sobre imparcialidade competitiva e segurança das atletas”. Sasson — O COB não cria as regras de competição, isso é atribuição do Comitê Olímpico Internacional e de suas federações. Nossa posição é respeitar as regras sem emitir opiO departamento médico brasileiro, nas Olimpíadas, contou com os aparelhos de maior evidência para a prevenção e o tratamento de lesões [4] [4] ARQUIVO PESSOAL/RONALDO AGUIAR (GERENTE DE SAÚDE DO COB)

S E R M É D I C O • 1 1 niões ou discutir, o que, de certa forma, facilita o debate. A atleta argelina foi liberada para competir, e, desde então, até o que se sabe, está dentro das normas em relação à variação das taxas hormonais. Nesse tema, há situações previamente definidas. Existem questões que compreendem patologias que resultam em certas variações hormonais que são aceitas para as competições. Inclusive, há atletas que conseguem autorização especial para usar hormônios por algum problema de saúde, não para obter qualquer vantagem, mas com o objetivo de manter a integridade de sua vida. É bem diferente de doping, coisa que ninguém admite. As situações que geram mais discussão são as que envolvem a participação de transgêneros nas competições. A autorização vai variar de federação para federação internacional, incumbida de monitorar os níveis hormonais de seus atletas. Ser — Hoje o senhor tem o cargo mais alto de um médico dentro do COB, chefe e supervisor médico. Como chegou a esse posto? Sasson — Na maioria das vezes, quem assume esse lugar são médicos que têm trabalhado em modalidades do Comitê há um certo tempo, o que era o meu caso, pois estou lá há oito anos. Mas não há nada que impeça um diretor ou o presidente de contratar alguém que nunca tenha assumido o cargo. Em geral, são médicos com experiência na Medicina Esportiva, em práticas de alto rendimento, em fisioterapia, preparação física e mental, massoterapia, nutrição, biomecânica, e que tenham trilhado um caminho de conhecimento dos atletas, da instituição, das regras, fluxos, protocolos, e com bom contato com as confederações e modalidades, fazendo com que consigam liderar tanto a equipe médica como o trabalho que envolve os diferentes esportes. A função primordial é liderar a equipe médica envolvida no dia a dia dos atletas e das modalidades, promovendo uma boa integração com a equipe multidisciplinar. O COB tem uma estrutura de treinamento no Rio de Janeiro, na Barra da Tijuca, onde fica toda a equipe multidisciplinar, e dá acesso a tudo. Ser — Quais foram as razões que levaram à melhora da performance dos atletas brasileiros nos Jogos Olímpicos Paris 2024, inclusive em novas modalidades, como a marcha atlética? Sasson — As razões são multifatoriais e englobam maior investimento do COB, desde as categorias de base para desenvolver as modalidades; estrutura de treino, com treinadores que são referência internacional; equipe multidisciplinar completa; e disponibilização de tecnologias e equipamentos. Também é importante uma organização administrativa muito completa, capaz de apoiar o desenvolvimento de todas as modalidades, do início até a profissionalização. Ao longo dos anos, isso vem trazendo a possibilidade de melhores resultados até emmodalidades que, antes, não garantiam resultados tão expressivos, como a marcha atlética e o tênis de mesa, algo que vai refletir no futuro dos esportes e, quem sabe, ser a inspiração para crianças e jovens buscarem se profissionalizar, entendendo que essa escolha pode ser uma opção de vida e até de transformação da sociedade. São coisas que não dependem do uso de algum suplemento, e sim de acesso a condições de saúde e performance do mais alto nível, que deve ser estimulado pelas instituições, com apoio de uma equipe multidisciplinar capacitada para orientar a nutrição adequada e sobre a necessidade de sono e repouso, que são os pilares para a saúde e a boa performance. Idealmente, precisamos criar condições para chegar às competições com cada vez mais atletas, tornando possível ao Brasil obter mais medalhas e melhores resultados.  "A Medicina Esportiva talvez seja a área mais completa, pois envolve, além de médicos ortopedistas, cardiologistas, neurologistas, reumatologistas, e até psiquiatras, entre outros, e todos se complementam no esporte de alguma forma"

[1] BENEDEK/ISTOCK [1] história da Medicina Esportiva revela descobertas, desafios e conquistas. Desde suas origens na Grécia Antiga até sua consolidação como uma especialidade médica respeitada, a área evoluiu significativamente. No Brasil e no mundo, tem exercido um papel essencial na promoção da saúde, no tratamento de lesões e na melhoria do desempenho esportivo. Na Grécia Antiga, médicos como Hipócrates (460 a.C. a 370 a.C) e Galeno (129 d.C. a 216 d.C) já reconheciam a importância do exercício físico para a saúde, provavelmente inspirados pelas Olimpíadas (confira box, pág. 15), que já eram realizadas naquela região desde o ano 776 a.C. Galeno, por exemplo, escreveu extensivamente sobre a fisiologia do exercício e o treinamento de atletas. Ele estudou como diferentes tipos de exercício poderiam impactar o corpo de maneira variada, classificando-os em suaves, moderados D O S S I Ê : MED I C I NA E S PORT I VA | H I S T Ó R I A ou intensos, e recomendava que fossem ajustados às necessidades e capacidades individuais de cada pessoa. Cerca de um século antes, na Índia, Sushruta, médico considerado um dos fundadores da medicina ayurvédica, já percebia a importância dos exercícios físicos regulares. Autor de um dos textos mais antigos e influentes sobre medicina e cirurgia, o Sushruta Samhita, ele preconizava que o exercício físico era essencial para manter a saúde, ajudar na digestão, melhorar a circulação sanguínea e promover o equilíbrio dos doshas (vata, pitta e kapha), que são os três princípios fundamentais da medicina ayurvédica. No entanto, foi apenas no século 19, com o surgimento das ciências modernas, que a Medicina Esportiva começou a se firmar como uma disciplina científica. Na Europa, especialmente na Alemanha e na Suécia, surgiram os primeiros centros de estudo dedicados à fisiologia do exercício. 1 2 • S E R M É D I C O A Acrópole em Atenas, Grécia A Da Grécia Antiga aos avanços tecnológicos do século 21 Fátima Barbosa

Em 1896, a Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, criou o primeiro laboratório de fisiologia do exercício sob a direção de Dudley Sargent. No mesmo ano, o movimento ganhou força com as Olimpíadas modernas, iniciadas em 1896, que impulsionaram o interesse pela ciência do esporte. Modernamente, conceitua-se a Medicina Esportiva como a especialidade médica que se ocupa em avaliar, acompanhar e orientar os praticantes de atividade físico- -desportiva antes, durante e após a prática de diferentes modalidades, não só direcionada a atletas de alto nível, como também a não atletas, incluindo pessoas portadoras de diferentes doenças, que procuram utilizar o exercício físico como meio de melhorar sua saúde, além de sua reconhecida importância na prevenção e tratamento de diversas morbidades. Por isso, em 2006, com o intuito de consolidar essa sua ampla área de atuação, a sociedade representativa da especialidade, no país, passou a se chamar Sociedade Brasileira de Medicina do Exercício e do Esporte (SBMEE). No Brasil, a Medicina Esportiva começou a ganhar relevância no início do século 20. A influência europeia e norte-americana foi crucial, com médicos brasileiros buscando formação no exterior. O Instituto Nacional de Educação Física, criado em 1939, na cidade do Rio de Janeiro, foi um marco importante, sendo um dos primeiros a oferecer cursos voltados para a educação física e saúde. Consolidação da especialidade A Medicina Esportiva se firmou como uma especialidade médica durante a segunda metade do século 20. Em 1952, a Fédération Internationale de Médecine Sportive (FIMS) foi fundada para promover o seu desenvolvimento em nível global. Nos Estados Unidos, a American College of Sports Medicine (ACSM), criada em 1954, tornou-se uma das instituições mais influentes na área, promovendo pesquisas e práticas clínicas baseadas em evidências. No Brasil, a especialidade começou a se organizar formalmente nas décadas de 1960 e 1970. Um passo importante foi a fundação da Sociedade Brasileira de Medicina do Exercício e do Esporte (SBMEE), em 1962, representando um avanço e a consolidação da área no País. Atualmente, sob a presidência de Fernando Carmelo Torres, a SBMEE atua na organização de congressos, cursos e publicações científicas, promovendo a formação e atualização dos profissionais da área. A Medicina Esportiva enfrentou vários desafios iniciais para ser S E R M É D I C O • 1 3 consolidada. Um dos principais foi a falta de reconhecimento e valorização da especialidade dentro da comunidade médica. Além disso, havia uma carência de pesquisas científicas robustas que comprovassem os benefícios do exercício para a saúde, dificultando a implementação de práticas baseadas em evidências. Outro problema significativo foi a resistência cultural. Em muitas sociedades, a prática regular de exercícios físicos não era amplamente valorizada, e o esporte era visto mais como uma atividade recreativa do que como uma ferramenta para a saúde. Esse cenário começou a mudar a partir das décadas de 1960 e 1970, com o aumento da conscientização sobre os benefícios do exercício físico, impulsionado por estudos epidemiológicos que mostravam a relação entre atividade física e redução de doenças crônicas. Os desafios foramaindamaiores para os médicos brasileiros devido à falta de infraestrutura e recursos. A formação de profissionais especializados era limitada e havia pouca integração entre as áreas de Educação Física e Medicina. Além disso, a prática esportiva no País era predominantemente voltada para o futebol, deixando outras modalidades e a própria Medicina Esportiva em segundo plano. Avanços científicos e tecnológicos O final do século 20 e o início do século 21 foram marcados por avanços significativos na especialidade, tanto no Brasil quanto no mundo. A pesquisa científica se expandiu, com estudos detalhando os mecanismos fisiológicos do exercício, o impacto da atividade As Olimpíadas modernas, iniciadas em 1896, impulsionaram o interesse pela ciência do esporte

D O S S I Ê : MED I C I NA E S PORT I VA | H I S T Ó R I A 1 4 • S E R M É D I C O POR VOLTA DE 600 a.C. Sushruta, um dos fundadores da medicina ayurvédica, na Índia, vislumbra a importância dos exercícios físicos regulares 129 d.C. A 216 d.C. Galeno escreve extensivamente sobre a fisiologia do exercício e o treinamento de atletas 460 a.C. A 370 a.C. Hipócrates reconhece a importância do exercício físico para a saúde, provavelmente inspirado nas Olimpíadas MEADOS DE 1800 Medicina Esportiva começa a se firmar como uma disciplina científica, na Europa [2] [3] [4] [2] BLUECLUE/ISTOCK [3] ANTONINA MASLOVA/ISTOCK [4] GRAFISSIMO/ISTOCK física na saúde mental e as melhores práticas para a prevenção e tratamento de lesões esportivas. Os avanços tecnológicos também desempenharam um papel crucial. Equipamentos de avaliação de desempenho, como os testes ergométricos e as análises biomecânicas, permitiram uma compreensão mais profunda do corpo humano em movimento. Além disso, o desenvolvimento de novas técnicas de imagem, como a ressonância magnética, revolucionou o diagnóstico e tratamento de lesões esportivas. Hoje, a área está bem estabelecida e é respeitada em todo o mundo. Seus profissionais trabalham em uma variedade de contextos, incluindo clínicas, hospitais, centros de treinamento esportivo e universidades. A especialidade não só apoia atletas de elite, mas também promove a saúde e o bem-estar da população em geral, incentivando a prática regular de exercícios físicos. A integração da Medicina Esportiva com outras disciplinas, como a Nutrição, a Psicologia e a Fisioterapia, é uma tendência crescente. Isso permite um cuidado mais holístico e personalizado, atendendo às necessidades específicas de cada indivíduo, seja ele um atleta profissional ou uma pessoa buscando melhorar sua saúde. A especialidade também avançou significativamente no Brasil. Os programas de Residência Médica na área foram estabelecidos, e universidades de renome oferecem cursos de especialização. A pesquisa DemografiaMédica mais recente, de 2023, realizada pela Associação Médica Brasileira (AMB) informa que a área conta, atualmente, com 1.291 especialistas. Segundo a a Sociedade Brasileira de Medicina do Exercício e do Esporte, no total, há nove programas de Residência Médica no País, dos quais seis localizados no estado de São Paulo. Os primeiros programas de Residência Médica em Medicina Esportiva foram autorizados pelo Ministério da Educação (MEC) em 2007, destacando-se a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), a Universidade de São Paulo (USP) e a Universidade deCaxias do Sul (UCS), no Rio Grande do Sul. Além disso, o Brasil tem se destacado em pesquisas científicas, contribuindo para o avanço global da especialidade. O futuro da Medicina Esportiva é promissor. As pesquisas continuam a expandir o entendimento sobre os benefícios do exercício e as melhores práticas para a saúde e o desempenho dos atletas. A tecnologia, como a inteligência artificial e a telemedicina, promete revolucionar o cuidado esportivo, tornando- -o mais acessível e personalizado. Linha do Tempo

1896 Universidade de Harvard, nos EUA, cria o primeiro laboratório de fisiologia do exercício INÍCIO DO SÉCULO 20 Médicos brasileiros buscam formação em Medicina Esportiva no exterior 1952 Fundação da Fédération Internationale de Médecine Sportive 1962 Fundação da Sociedade Brasileira de Medicina do Exercício e do Esporte 2007 No Brasil, Ministério da Educação autoriza os primeiros programas de Residência Médica em Medicina Esportiva FINAL DO SÉCULO 20 / INÍCIO DO SÉCULO 21 Avanços significativos da especialidade, no Brasil e no mundo; pesquisas científicas fazem progressos expressivos 1954 Criada, nos EUA, a American College of Sports Medicine 1939 Criação do Instituto Nacional de Educação Física, na cidade do Rio de Janeiro [5] [6] S E R M É D I C O • 1 5 OLIMPÍADAS: CELEBRAÇÃO DO ESPÍRITO ESPORTIVO E DA UNIÃO ENTRE AS NAÇÕES As Olimpíadas, um dos eventos esportivos mais importantes e prestigiados do mundo, que celebra o espírito esportivo e a união entre as nações, evoluiu significativamente ao longo dos séculos, adaptando-se às mudanças culturais, sociais e tecnológicas. As primeiras Olimpíadas foram realizadas emOlímpia, na Grécia, em 776 a.C. Essas competições eram dedicadas a Zeus, o deus principal do panteão grego, e ocorriam a cada quatro anos. Os jogos antigos incluíam eventos como corrida, salto, arremesso de disco, pugilismo e luta livre. Somente homens podiam competir, e faziam isso nus, em honra à pureza e ao ideal estético do corpo humano. Os Jogos Olímpicos antigos forammais do que apenas competições esportivas; eram uma celebração religiosa e cultural que atraía espectadores de todas as cidades-estados gregas. Durante os jogos, uma trégua sagrada era observada, permitindo que atletas e espectadores viajassem em segurança para Olímpia. [5] JANNISWERNER/ISTOCK [6] AMERICAN COLLEGE OF SPORTS MEDICINE PARIS 2024 As atletas brasileiras conquistaramumdesempenho inédito nas Olimpíadas realizadas emParis, neste ano. A ginástica artística, comRebeca Andrade, e o judô, comBeatriz Souza, e a dupla do vôlei de praia, Ana Patrícia/Duda, representarama hegemonia inédita das mulheres nos pódios, na primeira edição dos jogos comparidade de gênero, sendo cruciais para o resultado total demedalhas conquistadas pela delegação brasileira. Foram20medalhas, sendo três ouros, sete pratas e dez bronzes, consolidando o país como uma potência esportiva emergente. Aindamaismarcante, nasParalimpíadasdeParis2024, oBrasil teveumdestaquehistórico, superandoseupróprio recordede medalhas. Ao todo, osatletasparalímpicosbrasileirossubiramem 89pódios, superandocomfolgaos72deTóquio, em2020. Foram 12modalidadescompódios, como, por exempo, atletismo, natação e judô. OsnadadoresCarol Santiago, comseismedalhasdeouro, eGabriel Araújo, com3, por exemplo, saemdacompetiçãocomo estrelasdoparadesportomundial, reforçandooprotagonismodo Brasil. Comessedesempenho, oPaís jáéconsideradocandidatoa superpotêncianaspróximasParalimpíadas, dentrodequatroanos. 

1 6 • S E R M É D I C O D O S S I Ê : MED I C I NA E S PORT I VA | PA N O R AM A [1] GORODENKOFF/ISTOCK [1] m ano de Olimpíadas e Paralimpíadas, ficamos fascinados com o potencial que cada atleta pode alcançar, independente da modalidade executada. Não à toa os atletas são vistos pelo público como seres humanos diferenciados, comsaúde acima da média. E é exatamente essa percepção que nos deixa estarrecidos quando nos deparamos com eventos súbitos. Ficamos sem entender Luciana Janot* E Prevenção e cuidados no atendimento a atletas amadores e profissionais ao certo. Como alguém capaz de tamanho desempenho pode apresentar uma morte súbita? Na Medicina Esportiva, a avaliação pré-participação é considerada um pilar preventivo importante, sendo um dos temas mais debatidos na área. Apesar dos inúmeros benefícios do exercício à saúde física, metabólica e mental, não podemos esquecer que ele também é um potencial A avaliação pré-participação esportiva é um pilar preventivo importante contra eventos adversos à saúde

S E R M É D I C O • 1 7 estressor fisiológico e, na presença de uma doença de base desconhecida, acaba por ser um gatilho para esses eventos. Por ser a morte súbita um evento raro, com incidência variada, a depender da população estudada, existem divergências sobre o modelo ideal dessa avaliação pré-participação. No Brasil, a atualização da Diretriz em Cardiologia do Esporte e do Exercício da Sociedade Brasileira de Cardiologia e da Sociedade Brasileira de Medicina do Exercício e Esporte preconiza a avaliação clínica cardiovascular e o eletrocardiograma em repouso como classe I de indicação; e nível de evidência A para atletas competitivos profissionais. Nos atletas, o teste ergométrico, ao se iniciar a temporada esportiva, é considerado classe IC, e, quando disponível, preferencialmente, o teste cardiopulmonar, como IB. Apesar de conhecermos a existência de adaptações estruturais cardíacas relacionadas ao tipo, à intensidade e ao volume de exercício executado, o ecocardiograma em repouso é considerado modalidade diagnóstica confirmatória em casos suspeitos, após a avaliação da pré-participação inicial com história, exame físico e eletrocardiograma. Já para atletas amadores, aqueles que não têm seu sustento atrelado ao esporte, a indicação do eletrocardiograma em repouso mantém-se como IA, mas, para o teste ergométrico, as evidências que suportam valor são mais baixas, e a indicação para o teste, antes de se iniciar um programa de exercícios de alta intensidade, passa a ser IIa, nível de evidência A. Entretanto, é importante ressaltar que é exatamente nessa parcela de atletas que podemos nos deparar com a necessidade de investigação mais aprofundada, pois, apesar de não serem profissionais, muitas vezes têm carga de treinamento similar, mas com uma periodização, alimentação e recuperação inadequadas, somadas a uma vida social e de trabalho não condizentes com as necessidades do organismo para se recuperar, quando o objetivo é desempenho. Portanto, na prática, muitas vezes a avaliação realizada acaba sendo muito parecida com a de atletas profissionais e dependente da avaliação clínica inicial e do julgamento e da experiência do avaliador. É interessante ressaltar que o fato de serem atletas não exime esses indivíduos de apresentarem fatores de risco. Em amostra de atletas amadores e profissionais de um ambulatório de cardiologia do exercício e do esporte, identificou-se que 31% dos homens e 36% das mulheres tinham dislipidemia e que a hipertensão arterial esteve presente em 13% das mulheres e em 7% dos homens avaliados, apesar da baixa incidência de cardiomiopatias. Na avaliação clínica desses atletas, é fundamental não apenas considerarmos a história clínica e os fatores de risco atuais, mas, sim, todo o histórico ao longo da vida, pois muitos podem ter antecedentes de fatores de risco, como obesidade, tabagismo, hipertensão arterial, alteração glicêmica, além de etilismo, que os levaram a mudar o estilo de vida. Considerar apenas os fatores de risco do momento pode fazer com que subestimemos o risco da presença de doença. É muito importante ressaltar que, quando falamos da avaliação pré-participação de atletas, não podemos generalizá-la para toda população. Nem burocratizar a indicação de uma das maiores ferramentas que temos para a melhora da saúde cardiovascular, osteomuscular e metabólica dos nossos pacientes, o exercício físico. Um dos grandes problemas que temos atualmente é o alto comportamento sedentário da população. Incentivar a prática de exercícios deve ser parte da consulta médica e não requer a necessidade de ampla avaliação diagnóstica. Apesar dos inúmeros benefícios do exercício à saúde física, metabólica e mental, não podemos esquecer que ele também é um potencial estressor fisiológico

D O S S I Ê : MED I C I NA E S PORT I VA | PA N O R AM A 1 8 • S E R M É D I C O e, mais ainda, de competições de luta, por exemplo. As emergências médicas em esportes podem variar desde lesões traumáticas, como fraturas e entorses, até eventos mais graves, como parada cardiorrespiratória. Para casos de emergências, o planejamento e preparo da equipe precisa ser o mesmo, independente da modalidade e situação em que se dará a competição. Infelizmente já nos deparamos com atendimentos televisionados, em que visivelmente não houve o preparo. A prontidão e a capacidade de resposta rápida da equipe médica são determinantes na evolução desses casos. Estudos mostram que a utilização imediata de um DEA em casos de parada cardíaca aumenta significativamente as chances de sobrevivência, reforçando a necessidade de ter esse equipamento disponível em eventos esportivos. Uma metanálise recente demonstrou que a presença de um espectador treinado em manobras de ressuscitação e a utilização do desfibrilador externo automático pelo leigo aumentam em 3.8 e 5 vezes, respectivamente, as chances de sobrevivência em ambientes esportivos, o que reforça a importância do treinamento. Portanto, o nosso imaginário sobre atletas como “seres superiores” não pode nos fazer baixar a guarda em relação à saúde desses indivíduos e o preparo antecipado para situações inesperadas. Antes de serem atletas, eles são seres humanos que têm hábitos e histórias de vida e precisam ser detalhadamente avaliados.  *Especialista em Cardiologia e Medicina Esportiva e assessora científica da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo. A Medicina Esportiva também tem debatido a necessidade do preparo adequado dos profissionais ao atendimento de urgências e emergências em campo. Parece simples, mas um atendimento fora do ambiente hospitalar necessita de planejamento e treinamento. O preparo adequado inclui ter um plano de emergência bem estruturado, treinamento regular da equipe em suportes básico e avançado de vida, a disponibilidade de equipamentos essenciais, como desfibriladores externos automáticos (DEA), kit de primeiros socorros e acesso rápido a serviços de emergência. Cabe ao médico responsável por um evento esportivo organizar toda a logística para esses casos. Ele precisa conhecer as principais ocorrências atreladas ao esporte que será realizado e as condições em que a prova acontecerá, considerando fatores externos como o clima, pois as necessidades e o volume de atendimento podem ser muito diferentes. As demandas de uma prova de maratona, com alto número de participantes e diferentes níveis de condicionamento no inverno, são diferentes em uma época de calor [2] [2] PIXEL_AWAY/ISTOCK Urgências e emergências emcampo: comoproceder Um atendimento fora do ambiente hospitalar necessita de planejamento e treinamento

S E R M É D I C O • 1 9 [1] s aspectos médicos da atividade física, estudados pela Medicina Esportiva (ME) e suas áreas complementares, estão cada vez mais presentes na sociedade moderna. A atividade física deve ser vista, antes de tudo, como uma ferramenta das mais importantes em prol da verdadeira medicina preventiva aplicada, e a ME, como a especialidade responsável por sua supervisão na área médica. A sociedade moderna apresenta novas necessidades: nas áreas da prevenção, da terapêutica e da promoção da saúde, e também na do alto desempenho esportivo. O aparelho locomotor é a máquina que permite uma das expressões mais caracteristicas da vida humana — o movimento. Dependendo da maneira como ele é realizado, maiores ou menores benefícios são gerados para nosso organismo. De qualquer forma, o fenômeno “sobrecarga mecânica” sempre estará presente. O A traumatologia na Medicina Esportiva Prevenção Quando um organismo é submetido a uma sobrecarga, duas coisas podem acontecer: ou ele se adapta (efeito desejado do treinamento) ou entra em falência (determinando lesões nos mais variados graus). Essa falência pode ser aguda ou crônica, dependendo da maneira como a sobrecarga foi aplicada. Pode, ainda, ser caracterizada como macrotraumática, uma única sobrecarga de grande intensidade, ou microtraumática, de pequena intensidade, repetida intensamente ao longo do tempo. Os fatores que determinam o aparecimento das lesões na atividade física podem ser divididos em dois grandes grupos: intrínsecos, referentes ao próprio indivíduo; e extrínsecos, aos aspectos externos a ele. São intrínsecos quando a gênese da lesão está na dependência de características próprias do organismo do indivíduo comprometido, sendo caracterizada como Arnaldo José Hernandez* [1] KHANCHIT KHIRISUTCHALUAL/ISTOCK primária, quando não conseguimos identificar a causa da lesão; e secundária, se houver alguma alteração, congênita ou adquirida, que favoreça o seu aparecimento. Os fatores extrínsecos referem-se às condições externas, sejam elas problemas ligados ao treinamento, equipamentos ou ao meio ambiente; e também ao tipo de atividade praticada, como atividade com ou sem contato ou colisão. As regiões do corpo mais submetidas à sobrecarga durante a atividade esportiva são os membros inferiores, embora em alguns esportes os superiores também sejam muito utilizados. Os joelhos, pernas e pés são os que mais sofrem com a sobrecarga mecânica. Entre os membros superiores, os ombros e os cotovelos, principalmente, são alvos desses problemas. Evitar os eventos responsáveis pelas lesões esportivas ou recreacionais seria o cenário ideal para a prevenção desses ferimentos. Os joelhos, pernas e pés são os que mais sofrem com a sobrecarga mecânica

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