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CAPA

PONTO DE PARTIDA (pág.1)
Editorial de Renato Azevedo Júnior - Presidente do Cremesp


ENTREVISTA (pág. 4)
Soren Holm - editor do Journal of Medical Ethics


SINTONIA (pág. 9)
Médicos e indústria farmacêutica


CRÔNICA (pág. 12)
Millôr Fernandes


DEBATE (pág. 14)
Aids: em discussão o tratamento profilático


MÉDICOS NO MUNDO (pág. 20)
As muitas guerras do dr. Filártiga


EM FOCO (pág. 24)
AVAAZ: protestos em um clique


HISTÓRIA DA MEDICINA (pág. 27)
Médico, torneiro mecânico e inventor


GIRAMUNDO (págs. 30/31)
Curiosidades da ciência e tecnologia, da história e de fatos atuais


PONTO COM (págs. 32/33)
Informações do mundo digital


SUSTENTABILIDADE (pág. 34)
Sacolas plásticas: uma história sem heróis nem vilões


LIVRO DE CABECEIRA (pág. 37)
Indicação da conselheira Ieda T. Verreschi*


CULTURA (pág. 38)
Pedro Almodóvar


MAIS CULTURA (pág. 41 )
A revolução romântica


HOBBY (pág. 42)
Sem efeito colateral


CARTAS & NOTAS (pág. 33)
SUS: Cremesp recolhe assinaturas


GOURMET (pág. 45)
Sabor de vida em família


FOTOPOESIA( pág. 48)
João Cabral de Melo Neto


GALERIA DE FOTOS


Edição 59 - Abril/Maio/Junho de 2012

MÉDICOS NO MUNDO (pág. 20)

As muitas guerras do dr. Filártiga

Médico paraguaio preso e torturado diversas vezes, artista plástico e escritor continua, aos 79 anos, ativo e clinicando

”Tem homens que lutam um dia e são bons, outros lutam um ano e são melhores; há aqueles que lutam muitos anos e são muito bons, porém tem os que lutam a vida toda, esses são os imprescindíveis.” A última parte da frase do escritor e poeta alemão Bertold Brecht adequa-se perfeitamente ao médico, escritor, poeta e artista plástico paraguaio Joel Holden Filártiga Ferreira, um dos mais emblemáticos opositores do ditador Alfred Stroessner (1954-1989), preso 16 vezes e cruelmente torturado em seis delas. Em uma das sessões de tortura, ficou inconsciente durante quatro horas e escapou por pouco de morrer, mas não das sequelas. Choques elétricos e chutes na coluna fizeram com que os músculos dos membros inferiores do médico se atrofiassem, obrigando-o a se mover em cadeira de rodas há 11 anos. Durante uma de suas prisões, fez greve de fome durante 18 dias. Contudo, enfrentou uma dor ainda maior, a perda do filho, Joelito, sequestrado e brutalmente assassinado, aos 17 anos, em uma sessão de tortura, em 1976.

Mas tal como predisse Brecht, Filártiga – prestes a completar 80 anos – continua ativo, e firme em suas convicções e crenças de que “um mundo mais justo, ético e fraterno possa existir, se escaparmos da guerra nuclear”, frisou em entrevista exclusiva à Ser Médico, de Assunção, capital do Paraguai, onde vive com sua segunda esposa, Luz Josefina. Além de Joelito, ele tem outros seis filhos. Continua escrevendo, desenhando e exercendo a medicina, clinicando às segundas-feiras na cidade vizinha San Lorenzo e nos demais dias da semana, todas as tardes, em um anexo de sua casa. Às suas lutas por um mundo mais justo, incluiu a batalha contra os alimentos transgênicos e o monopólio da soja, sobre os quais escreveu um de seus livros, Guerra Bioalimentaria.

Com a colaboração da filha Dolly, que é a secretária-geral, Filártiga criou e preside a Fundação Joel Filártiga Speratti – nome completo do filho assassinado –, dedicada à promoção cultural, à ajuda a organizações de camponeses sem terra e à defesa dos direitos humanos destes e de indígenas. A instituição – financiada basicamente com a venda de seus livros e obras de arte – lutou contra a empresa norte-americana Delta & Pine, que despejou no bairro Rincón Florido, de Ybycuíu, 60 toneladas de lixo tóxico a 100 metros de uma escola, provocando intoxicação nos 800 alunos. Em parceria com a Plan Internacional, organização de origem espanhola, a fundação construiu uma nova escola que leva o nome de Joelito.

Durante muitos anos, Filártiga lutou na Justiça contra os assassinos de seu filho, conseguindo que o chefe da polícia ditatorial paraguaia, Américo Peña Irala, fosse preso em Nova York, onde ele se refugiara, e submetido à Justiça dos Estados Unidos. O caso mudou a jurisprudência norte-americana relativa à prisão de estrangeiros em território norte-americano acusados por crimes contra os direitos humanos. A repercussão internacional de sua luta nos tribunais daquele país e do Paraguai motivaram um filme – A guerra de um homem só (One man’s war) –, dirigido pelo cineasta brasileiro Sérgio Toledo Segall, em 1991 (mais informações no box). O médico foi interpretado por Anthony Hopkins e contou com a participação da atriz brasileira Fernanda Torres.

Em homenagem ao filho morto, escreveu também um poema – Al Hijo – no qual fez um tributo emocionado a ele e a como estará sempre vivo em sua memória.


Al hijo
Joel, bandera de la vida constelada
mañana encallecida en polvaredas,
madera roturada de intempérie
torturado por el fuego en primavera.
(...)

História
Filártiga tinha apenas 22 anos, e cursava a Faculdade de Medicina na Universidade Nacional de Assunção, quando Stroessner liderou um golpe militar, em 1954, dando início a um período de forte repressão que durou 35 anos. Em 1989, o ditador foi derrubado por outro golpe de Estado e exilou-se no Brasil, onde morreu em agosto de 2006. Segundo o médico, calcula-se que mais de 150 mil pessoas passaram pelas prisões paraguaias naquele período, sendo que 20 mil foram torturadas. De 700 a 1 mil desapareceram e mais de 80 mil foram exiladas.

O jovem aluno de Medicina e líder estudantil testemunhava a carência da assistência à saúde do povo paraguaio. Tanto os camponeses como os indígenas sofriam com a subnutrição e diversas doenças decorrentes da pobreza em que se encontravam. Formado, chegou a ser médico militar, mas foi passado à reserva em 1958 por se manifestar contra o governo de Stroessner, com quem, ironicamente, conviveu na infância, pois aquele que viria a ser ditador era amigo de sua família. Logo depois, foi confinado em Mbuyapey, no interior do país, onde ficou até 1960, quando mudou-se para a vizinha Ybycuí. Lá fundou uma pequena clínica, “La Esperanza”, que ficou ativa até 2002. Com a ajuda de sua primeira mulher, Nídia, e de sua filha, Dolly, atendia cerca de 30 pacientes diariamente, a maioria com desnutrição, doenças parasitárias e tuberculose, além de ferimentos decorridos de torturas políticas. Muitas vezes, o pagamento era feito com produtos alimentícios como: feijão, mandioca, arroz, legumes, frutas, aves e porcos. Mas dos pacientes pobres não recebia pagamento.


Uma das muitas obras de Joel Filártiga

“La Esperanza” fez crescer a liderança de Filártiga na região e amedrontou a ditadura de Stroessner. Foi nesse período que ele foi preso e torturado várias vezes e seu filho sequestrado, torturado e assassinado.

Com admirável energia, o médico tornou-se também conhecido no campo artístico. Suas obras  – pinturas a óleo, guache ou acrílico; desenhos e xilogravuras – retratam temas sociais e a brutalidade da ditadura de Stroessner. Seus quadros mostram, por exemplo, crianças malvestidas, mulheres que protegem seus filhos de perigos mortais e seres deformados por causa da má alimentação. Além de diversos locais e galerias paraguaios, expôs suas obras na cidade de Misiones, na Argentina, e nas universidades norte-americanas de Harvard, Cambridge, Massachusetts e Yale.

Em meio às suas lutas e desenhos, Filártiga ainda encontrou tempo para escrever. Além do Guerra Bioalimentaria, é autor de três livros de poesias: Canto Agónico, Salmos e Canto al Marine Paranoíco; quatro ensaios: Fuegos y Cenizas de la Memoria, em co-autoria com Luis Aguero; Medicina Capitalista vs. Salud Pública en Paraguay; Apocalipsis – Imperialismo Ecológico y Ecoapocalísis Global; e La CIA y la elec¬ción del Obispo; e uma autobiografia, La Fiesta del Tiranosaurio. Nenhum deles tem tradução para o português, apesar de o autor “desejar muito”.


Filártiga ladeado por alunos e por um docente do curso de Medicina da Universidade Nacional de Assunção 


Com o ator Anthony Hopkins, que fez seu papel no filme One Man's War

Medicina e esperança
Para Filártiga, o fato de ser médico significa a possibilidade “de viver com meus próximos, suas dores, seus temores e suas esperanças, que nos possibilita encontrar a nós mesmos”. Acredita que “a medicina capitalista está em crise porque esse sistema lucra com as doenças”.

E como se sente hoje? “Continuo vivo e desejando viver mais, curioso para ver logo a crise final do capitalismo e se o ser humano será capaz de criar uma estrutura mais solidária em que o homem seja menos egoísta e mesquinho, para que possa trabalhar em uma civilização fraterna e pacífica.”

Finalizando, agradece “essa experiência pessoal muito particular de poder falar a meus queridos colegas brasileiros, já que nossa América atravessa um novo sentimento de cofraternidade, que extrapola as fronteiras nacionais e, afinal, já somos cidadãos continentais dentro da Unasul (União das Nações Sulamericanas) e da Celac (Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos)”.



Na web

O filme A Guerra de um homem só raramente é encontrado em videolocadoras, mas é possível comprar o DVD no endereço:

http://www.interfilmes.com/filme_17625_homem.de.guerra.html ou assisti-lo on-line:
http://www.cineclick.com.br/filmes/ficha/nomefilme/a-guerra-de-um-homem/id/438

Mais informações sobre Joel Filártiga na web:
http://www.douradosagora.com.br/noticias/entretenimento/e-nosso-dever-absoluto-tratar-de-manter-a-vida-humana-diz-filartiga
http://www.breakingsilence.us



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